1 DE FEVEREIRO DE 1997 1265
O Sr. Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação: - Sr. Deputado Luís Sá, diria que estou praticamente de acordo com todas as suas afirmações, mas talvez não tanto quanto ao pouco entusiasmo que uma discussão deste género, que envolve os 15 países da União. Europeia mais 84 países ACP, não terá. Naturalmente que será feita sempre com grande entusiasmo porque há sempre matérias de detalhe técnico que estão em causa.
Neste caso, assisti a toda a negociação, estive nas Maurícias aquando da celebração do Acordo e a questão mais polémica foi a inclusão ou não, no quadro de cooperação ACP, dos chamados países menos desenvolvidos e o facto de alguns países das Caraíbas, que têm já rendimentos per capita de cerca de 7000 dólares, poderem ou não ainda ser integrados neste quadro de cooperação.
Mas, repito - e penso que, nessa matéria, a sua intervenção foi completamente de encontro às nossas preocupações -,aquilo que está em causa ou vai poder estar em causa no futuro é um modelo de cooperação União Europeia/países ACP e, particularmente, continente africano. E as reformas que podem ser introduzidas, sob pretexto de melhorar o sistema de cooperação na futura reforma destas convenções, podem conduzir, em primeiro lugar, a uma maior centralização dos mecanismos de decisão - o que não nos interessa - e, portanto, pôr termo a um sistema de parceria na definição dos acordos específicos de cooperação. Por outro lado, em nome da boa governação e da centralização, a ajuda ao desenvolvimento pode ser retirada, preferencialmente, dos países da África subsahariana e concentrar-se em zonas de maior potencial económico, nomeadamente na Ásia.
Portanto, eu faria tal como tinha dito inicialmente, e aproveitando as palavras do Sr. Deputado - uma prevenção e uma chamada de atenção para o facto de que este é um debate não só importante do ponto de vista da conceptualização da política de cooperação para o desenvolvimento mas também do ponto de vista dos interesses nacionais e do ponto de vista da relação de Portugal coro os países que lhe estão mais próximos e que são os principais beneficiários da nossa política de cooperação para o desenvolvimento.
Dado não estar incluído na agenda fundamental do que aqui vos venho apresentar, não quis fazer, nesta manhã de sexta-feira, uma apresentação demasiado doutrinária sobre estas matérias, quis ir directamente ao ponto. Não fiz, pois, uma, alusão à CPLP, mas esta tem, como uma das suas traves-mestras, uma relação aprofundada coma política de cooperação da União Europeia. Uma visão pragmática leva a que a CPLP busque o seu financiamento não apenas nas contribuições dos Estados membros mas, em primeiro lugar, também na articulação das políticas das instituições de cooperação dos Estados membros e também, numa outra linha, no sistema de financiamento de instituições multilaterais como o Banco Mundial e, em particular e muito em primeira linha, da União Europeia. Por isso é que o Secretário Executivo da CPLP está a preparar, já para os inícios do mês de Fevereiro, uma visita a Bruxelas para, através do Plano Indicativo Regional Lusófono, da União Europeia, também poder incluir um conjunto de acções de cooperação no âmbito da CPLP.
Nós defendemos e temos prestado, através da unidade que temos no Ministério dos Negócios Estrangeiros, apoio ao Secretário Executivo da CPLP para que esta, enquanto entidade comunitária, procure uma melhor articulação com a União Europeia e, neste caso, particularmente, que receba o apoio por via do Plano Indicativo Regional Lusófono.
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, dispõe de mais 3 minutos que lhe foram concedidos pelo Grupo Parlamentar do PS bem como de mais 6 minutos concedidos pelo Sr. Deputado relator por este entender que pode prescindir, sem desvantagem, do tempo que lhe estava destinado para resumo do relatório.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção de Lomé chegou a ser apresentada por um ex-Comissário, o ex-Presidente da Comissão Europeia, como um verdadeiro laboratório Norte/Sul. Este facto, entretanto, contrasta com o que ouvimos dizer, num determinado momento, por exemplo, a um representante da Nigéria - a ideia de que a Europa, a Comunidade Europeia retirou bem mais do que deu.
Na verdade, continuamos a viver uma situação em que uma pequena parte das, importações da Comunidade Europeia vem dos países ACP enquanto uma grande parte das exportações destes países vão para os países da Comunidade Europeia.
Para além deste aspecto, sem dúvida nenhuma que seria faltar à verdade e ao rigor que é devido não referir o percurso importante que foi seguido colectivamente entre o capítulo IV do Tratado de Roma ou o anexo IV, com o elenco das colónias ou ex-colónias, neste caso sem consultar as próprias, e a situação que hoje é vivida. É um caminho que é inseparável de muitas lutas por novas relações entre o Norte e o Sul, por muitas lutas contra o colonialismo.
Creio, entretanto, que é evidente que, neste quadro, os problemas continuam claramente em aberto: problemas como os que foram referidos na Conferência do Rio em 1992; problemas como os que são referidos no Cairo; problemas como os que são assinalados no relatório do Parlamento Europeu acerca do documento que hoje aqui é debatido; problemas que decorrem também da situação especial de Portugal como um país da semiperiferia, com relações particulares, que não podem deixar de ser aprofundadas, com os países de língua oficial portuguesa e, simultaneamente, como país da semiperiferia que não está, evidentemente, na mesma situação de uma economia sólida que não tenha de temer concorrências dos países do norte da Europa ou dos países do chamado capitalismo central.
Isto significa que, independentemente dos documentos que hoje aqui estão a ser debatidos e que foram amplamente criticados pela sua insuficiência, quer pelos países ACP, quer pelas mais diferentes estruturas da própria Comunidade Europeia, designadamente sindicatos, quer pelo próprio Parlamento Europeu, vamos apoiar a aprovação para ratificação dos documentos que aqui são apresentados, mas simultaneamente com a consciência da necessidade de uma reflexão profunda no País e nesta Câmara acerca das relações Norte/Sul, das relações União Europeia/ACP, Portugal/Comunidade Europeia, Portugal/países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Trata-se de um acto que, independentemente da sua importância relativa, nos chama a todos a uma reflexão mais profunda, a uma reflexão mais cuidada, acerca de um dos grandes problemas do nosso tempo que não pode deixar de nos interpelar.
De resto, problemas como a dívida externa, que não tiveram qualquer avanço significativo no quadro dos documentos que aqui são considerados, são problemas que, pelo seu carácter extremamente vivo e extremamente importante, não podem deixar de nos questionar. Isto significa que o nosso apoio é altamente crítico, é um apoio