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23 DE JULHO DE 1997 3641

de violação, sejam amputações de membros em crimes de roubo, situações perfeitamente desumanas a que, ainda hoje, repito, assistimos em alguns países. Por essa razão, e dada a lógica da irreparabilidade deste tipo de penas, em paralelo com o problema que se coloca também na pena de morte - todos sabemos que a execução desse tipo de penas implica algo de irreparável e de completamente inadmissível à luz dos direitos humanos -, este avanço parece-nos muito significativo e, dado que não constava de nenhuma das propostas iniciais, o PSD honra-se e orgulha-se de ter sido possível encontrar o entendimento em torno desta matéria.
Para além disso, termino explicitando que, face à tal polémica que se gerou na sociedade portuguesa, também houve oportunidade de deixar claro que em todas essas situações de extradição, quer de cidadãos portugueses, quer de outros cidadãos, por crimes a que correspondam penas que não sejam pena de morte nem de que resulte lesão irreversível da integridade física seja sempre necessário existir uma convenção internacional a que Portugal tenha aderido, convenção internacional, essa, que salvaguarde, por um lado, o princípio da reciprocidade entre os dois países, entre as duas ordens jurídicas, e, por outro, o princípio de que, quando esteja em causa a extradição de cidadãos portugueses, tenha de haver, ao abrigo dessa convenção internacional, a garantia de que o julgamento terá sempre um procedimento que respeite a justiça e a equidade em termos processuais. E a forma conhecida, como os Srs. Deputados sabem, em termos de Direito Internacional, do due process of law, a chamada regra de garantias de defesa, que salvaguarde, em todas as instâncias, sempre, todos os mecanismos possíveis de defesa de um qualquer cidadão acusado de um crime dentro da lógica de que existe uma presunção de inocência até prova cabal em contrário.
Portanto, é esta a proposta final que surge, felizmente, por entendimento já consagrado entre o PSD e o PS, o que possibilita a sua concretização em termos de Constituição. Parece-nos um verdadeiro avanço que irá permitir, sem transigirmos em nenhum dos valores essenciais que estão presentes numa matéria tão delicada como esta, a adesão de Portugal a mecanismos internacionais de combate a crimes de terrorismo e criminalidade organizada lato sensu. Sem nunca transigirmos em nenhum dos valores essenciais que estão presentes numa matéria tão delicada como esta, insisto, mas permitindo uma cooperação judiciária que salvaguarde os interesses de Portugal e, em primeira linha, que salvaguarde também a segurança, que é uma das questões fundamentais em termos dos direitos humanos e tantas vezes, hoje em dia, descurada, infelizmente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nunca, ao longo deste processo de revisão constitucional, nem antes dele e estou convencido de que também tal não ocorrerá depois dele, se ouviu a voz de um Deputado a admitir que se pudesse consignar qualquer solução de extradição para que o eventual extraditante fosse, em qualquer Estado terceiro, submetido a pena de morte. Sempre nos orgulhámos da circunstância de a pena de morte ter sido banida da história constitucional e criminal portuguesa, sempre nos orgulhámos da circunstância de termos sido, nessa matéria, um exemplo para o mundo civilizado e não seria, seguramente, desta vez que aceitaríamos decair de tal propósito. Não aceitamos a pena de morte na ordem jurídica interna, não colaborámos nem colaboraremos nunca com qualquer solução que admita a pena de morte a título de regime-regra ou, mesmo, a título excepcional. Por isso mesmo a solução originária do acordo PS/PSD encarou uma fórmula que jamais admitiria que qualquer cidadão que fosse objecto de extradição pudesse ser subordinado a pena de morte. No entanto, essa solução veio a confrontar-se com algumas perplexidades e - por que não dizê-lo também com verdade? - com algumas interpretações claramente erróneas.
Porque a Constituição não deve ser apenas um programa jurídico mas deve ser também, do ponto de vista simbólico, um elemento referencial para a coesão nacional, e dado que, neste domínio, algumas perplexidades nos pareceram excessivas, sempre se nos afigurou adequado fazer um esforço e um trabalho de revisão das soluções em torno do artigo 33.º, para que, por um lado, não subsistissem quaisquer ambiguidades interpretativas relativamente às soluções que viessem a ser fixadas mas, por outro lado, não fechássemos os olhos à problemática da criminalidade internacional, que exige também uma resposta adequada do Estado português no âmbito do Estado de direito em que nos inserimos.
Por isso, foi com muito gosto que, no quadro da CERC, tive a possibilidade de, com os Deputados que dela fizeram parte, promover uma série reflectida de audiências a um conjunto de entidades institucionais e a outras personalidades independentes da vida pública portuguesa, no sentido de podermos reflectir em conjunto sobre as melhores vias de solução. Desde membros do Governo, como o Ministro da Presidência e o Ministro da Justiça, até eminentes responsáveis, como o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o Presidente do Tribunal Constitucional, desde personalidades independentes até representantes de instituições da sociedade civil ligadas à problemática da protecção dos direitos fundamentais ou, ainda, à Secção Portuguesa da Amnistia Internacional, a todos pudemos conceder a palavra que, naturalmente, era um direito de cidadania - e reflectir em conjunto sobre uma solução compatível.
Por isso me congratulo, em meu nome pessoal e, seguramente, também em nome da bancada do PS, de que essa solução, partilhada certamente por um consenso alargado nesta Câmara, possa agora ser objecto de apreciação. Com ela, fica inteiramente claro que não é admitida - como, aliás, nunca se quis que fosse - a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, a pena de morte. E temos agora até a possibilidade de ir mais longe, no sentido de acrescentar algo que (permitam-me que agora o refira) já se encontra mais próximo da própria solução originária do projecto do PS e que são as situações em que possa resultar lesão irreversível da integridade física.
Admite-se também, noutro plano, e feitas estas salvaguardas, que, para todos, prevalecerá a possibilidade de extradição de cidadãos portugueses mas em condições extremamente restritivas. Em primeiro lugar, na base de uma reciprocidade estabelecida por via de convenção internacional; em segundo lugar, exclusivamente nos casos de terrorismo e de criminalidade internacional organizada; em terceiro lugar, desde que a ordem jurídica do Estado requisitante consagre garantias ligadas à protecção dos direitos humanos como são as de um processo justo e equitativo.