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2827 | I Série - Número 72 | 20 de Abril de 2001

 

nifica a desvalorização da descodificação do genoma humano, que neste contexto desempenhará necessariamente um papel importantíssimo. E a confirmá-lo temos as enormes potencialidades que vieram abrir no domínio da prevenção das doenças e do seu tratamento, designadamente através da terapêutica genética, como passo significativo para uma nova prática médica ajustada às específicas características individuais de cada ser humano.
Portugal e os cientistas portugueses não podem estar de fora deste processo. É imperiosa, pois, a sua participação nestes projectos, não só para que a eles possamos dar o nosso contributo, face à enorme reputação internacional de que hoje muitos deles gozam, mas também para que o nosso País e os portugueses possam beneficiar de todos estes avanços em tempo real.
Mas se é fácil discorrer daqui a importância crescente da informação genética na prestação dos cuidados de saúde, também é fácil discorrer sobre os enormes riscos da utilização dessa informação em termos de novas discriminações, e, para mim, são das mais perigosas, porque assentam ou baseiam-se em conhecimentos científicos.
Estes riscos fazem apelo à necessidade de legislação ajustada à adequada protecção dos dados pessoais e à urgência na reflexão sobre as novas questões éticas que este patamar de conhecimento vem colocar.
As questões políticas daqui decorrentes, a nível dos sistemas de protecção social, do direito ao trabalho e do direito à protecção individual como forma de acesso ao exercício de direitos fundamentais, são também de importância inequívoca e não podemos ficar de fora dos projectos de investigação neste domínio.
Refiro, a título de exemplo, o Programa ELSI, em curso nos Estados Unidos, que visa a investigação sobre questões éticas, legais e sociais relativas às novas genéticas, ao qual o Departamento de Energia e o Instituto Nacional de Saúde afectaram 3% a 5% dos seus orçamentos anuais dedicados ao Programa Genoma Humano.
Os objectivos deste programa, a desenvolver num calendário entre 1998 e 2003 - e já nos encontramos sensivelmente a meio deste período, o mesmo é dizer que estamos atrasados no seu acompanhamento -, são os seguintes: examinar as questões relativas à sequenciação do genoma humano e estudar a variação genética humana; examinar as questões levantadas pela integração da informação e das tecnologias genéticas na prestação de cuidados de saúde e actividades de saúde pública; examinar as questões levantadas pela integração do conhecimento sobre o genoma e as interacções genoma/ambiente em aplicações não clínicas; investigar como o novo conhecimento sobre a genética pode interagir com uma variedade de perspectivas filosóficas, teológicas e éticas; e investigar como os factores raciais, étnicos e socioeconómicos afectam o uso, a compreensão e a interpretação da informação genética, o uso de serviços em genética e o desenvolvimento da política.
Neste contexto, e face à situação no nosso País de total desarmamento legal sobre estas matérias, preparei um projecto de deliberação, que teria todo o gosto que fosse subscrito por todos os grupos parlamentares assentes nesta Assembleia, no sentido de promover um amplo debate sobre estes temas e de nos habilitar, assim, a desenvolver um programa de trabalho no domínio dos direitos, liberdades e garantias, matéria que, estou certa que todos concordarão, integra pela sua nobreza o cerne das responsabilidades desta Câmara, que o mesmo é dizer de todos nós, Deputadas, Deputados e Instituição em si própria.
Muito obrigada pela vossa atenção.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Fazenda e Isabel Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Fazenda.

O Sr. Luís Fazenda (BE): - Sr. Presidente, a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira trouxe-nos uma intervenção muito actual e da maior importância no mundo de hoje. Efectivamente, as conclusões que nos trouxe daquela que, porventura, será a mais importante revolução científica deste século e que em boa medida não nos pré-dimensiona para aquilo que virão a ser as mutações sociais, económicas e até da vivência do ser humano são ainda um portal de indefinições e um caminho aberto à nossa pesquisa e à nossa participação cívica.
Sublinho as palavras que disse acerca da ausência de qualquer base de carácter científico onde se possam fundar teorias de segregação racial, pois aquilo que já sabíamos do ponto de vista político, moral e cultural é cada vez mais amplamente confirmado do ponto de vista científico.
Acompanho as suas preocupações não só acerca da participação de Portugal neste movimento mas também acerca dos riscos da manipulação dos conhecimentos genéticos. Esta é uma discussão sobre ética, que é sempre controversa, onde, seguramente, do nosso ponto de vista, o reforço dos poderes públicos, a opinião pública informada, a participação social, são os garantes de que os conhecimentos genéticos serão utilizados para o desenvolvimento da humanidade e não para o aniquilamento da humanidade e das suas distintas qualidades.
Em todo o caso, a Sr.ª Deputada não ignorará que há um debate internacional acerca das patentes dos códigos genéticos.
Acompanhando todo o seu raciocínio, a minha pergunta é muito simples: considera a Sr.ª Deputada que é aceitável que o código do genoma humano e em geral a descodificação de um conjunto de códigos genéticos ligados ao ser humano sejam patenteados pela legislação tradicional? Ou seja, considera aceitável que exista uma apropriação privada, por um número suficientemente lato de anos, daquilo que é uma propriedade inerente ao ser humano? Gostaria de saber se, numa lógica de direitos humanos, os conhecimentos acerca do genoma humano não deveriam ser propriedade universal, generalizada ao conjunto dos países, dos poderes públicos e das entidades privadas?

O Sr. Presidente: - Para responder, se quiser, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria de Belém Roseira.

A Sr.ª Maria de Belém Roseira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Fazenda, agradeço-lhe o enquadramento que fez sobre a questão, à qual reconheceu a importância que, infelizmente, alguma distracção, já crónica nesta Câmara, não permitiu que fosse acessível a todos os Srs. e Sr.as Deputadas.
De qualquer das maneiras, quero referir o seguinte: no preâmbulo do projecto de deliberação que irei distribuir faço a afirmação de que não podemos congratular-nos, nem ficar tranquilizados, pelo facto de a Assembleia Geral da Nações Unidas já ter declarado o genoma humano como património da Humanidade. Sou indiscutivelmente a favor de que não pode ser outra a solução.