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0466 | I Série - Número 14 | 19 de Outubro de 2001

 

A frase saiu-me, peço desculpa, pois não era minha intenção aborrecer ninguém.
Mas, como é evidente, um Governo que não tem maioria tem de fazer acordos pontuais, segundo o que é fundamental.
Se me disser que talvez fosse melhor para o País encontrar uma maioria mais estável, eu só posso responder-lhe que duas soluções existem: ou em próximas eleições os portugueses chegam à conclusão que é melhor dar uma maioria absoluta - e já a deram a um partido - …

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Eles já não dão outra! Isso é mau!

O Orador: - É mau, Sr. Deputado? Registo que considera isso mau.
Mas, dizia eu, ou os portugueses chegam à conclusão que é melhor dar uma maioria absoluta ou, então, os partidos têm capacidade para se entender e concretizam uma aliança com carácter de maior permanência. Em democracia, tudo é possível! Na Europa todos os partidos fazem acordos, sem qualquer problema, sem tabus.
Sr. Deputado, deixe-me dizer que para mim não há tabus de acordos com ninguém, com nenhuma força política do Parlamento,…

O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Muito bem!

O Orador: - … porque aqui somos todos representantes dos portugueses e é nessa lógica que queremos continuar na vida política.
Por isso, não há nada de novo, são esses os valores da democracia, os valores que procuramos defender e pelos quais continuaremos a lutar, para ver se os portugueses, em próximos actos eleitorais, continuam a confiar na nossa forma de estar na vida política.

O Sr. Basílio Horta (CDS-PP): - Até ver!

O Orador: - Logo veremos, porque o povo é quem mais ordena.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Francisco Louçã.

O Sr. Francisco Louçã (BE): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Reabriu hoje de manhã, no Tribunal Judicial da Maia, a segunda sessão de um julgamento em que estão presentes 43 arguidos e arguidas, acusados do crime de aborto. Desses, 26, incluindo uma enfermeira, são acusados de utilização indevida de equipamentos, de vinhetas, de materiais e do crime de organização de uma rede que pratica aborto clandestino. Dezassete são acusadas de terem abortado.
A Assembleia da República, naturalmente, não substitui o tribunal. O tribunal considerará os factos e a lei e, em função dos factos, da lei e da consciência, o juiz decidirá. Mas a Assembleia da República tem uma responsabilidade indeclinável nesta matéria, a de definir o quadro legislativo e de acompanhar a evolução da sociedade portuguesa numa matéria tão delicada e tão importante como esta.
Mais de três anos depois de se ter formado uma maioria que aprovou uma nova lei nesta Assembleia da República, mais de três anos depois de se ter verificado um referendo que, não tendo legitimidade por não se ter registado o voto maioritário dos portugueses, assinalou que 16% dos portugueses eleitores se manifestavam contra essa lei e 15% a seu favor, temos agora este processo em tribunal.
E quando vemos os aspectos concretos do bairro do Lagarteiro, um dos mais pobres do Porto, onde há crianças que não são vacinadas, onde não há consultas de planeamento familiar, onde não há cobertura sanitária básica, podemos perceber o drama imenso das famílias e das mulheres que, não tendo informação nem acesso à capacidade de escolha sobre meios de planeamento familiar, foram forçadas à situação que as levou ao aborto, hoje clandestino, à margem da lei - uma delas menor, todas elas submetidas às dificuldades de mulheres pobres perante uma justiça que não responde aos seus direitos.
Nalguns casos, já por duas vezes foram substituídos os advogados oficiosos, noutros casos os advogados faltam sempre e noutros casos, em consequência, o tribunal pede a algum jurista presente que possa constituir-se como advogado, mesmo sem conhecimento do processo, sem apresentar contestação.
Neste caso, Sr.as e Srs. Deputados, estão a ser julgadas mulheres que praticaram aborto clandestino, mas o que realmente está a ser julgado no Tribunal Judicial da Maia são todos aqueles e todas aquelas que quiseram manter uma lei obscurantista, que criminaliza o direito de a mulher, nestas circunstâncias, poder escolher o aborto. Isso é o que está em causa e é o que está em julgamento, e esse julgamento interpela todos os que aqui têm a responsabilidade de se pronunciar sobre esta matéria.
Ora, essa lei promove o crime, porque promove o aborto clandestino como negócio para quem dele beneficia, porque prejudica, criminalizando as mulheres, forçando-as à prática do aborto nas mais indignas condições médico-sanitárias. Portanto, sobre isso, podemos, tanto tempo depois deste referendo e tanto tempo depois do debate político que dividiu uma parte da sociedade portuguesa, extrair algumas conclusões sobre os dois argumentos fundamentais usados para recusar a modernização desta lei.
Um deles - e sobre esse não me detenho tanto - foi o argumento confessional, o argumento da intolerância religiosa, o argumento que diz haver uma doutrina religiosa que predomina e que se impõe sobre a livre escolha da sexualidade das mulheres e dos homens deste país. E num tempo em que sabemos até que ponto pode chegar esta intolerância, podemos olhar com cuidado para este argumento.
No entanto, quero deixá-lo de lado, por agora porque o outro argumento interpela-nos aqui directa e imediatamente. É o argumento da lei.
Foi dito, em particular pelas bancadas da direita na Assembleia e por movimentos políticos de direita na sociedade, que devia continuar a ser crime a prática do aborto com a expectativa de que a bondade dos juízes não viesse a aplicar esta lei. A vantagem da lei seria ela não ser aplicada e, portanto, não conduzir à pena de prisão as mulheres que tivessem tido de recorrer ao aborto, assim como nos disseram sobre a droga que era preciso que o toxicodependente fosse criminalizável à luz da lei, na expectativa de que a lei fosse tão boa que não fosse aplicada e que, portanto, ficasse só a ameaça da sua aplicação.
Aqui está o resultado: a ameaça da aplicação não pode - como é que podia!… - impedir que algumas