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0568 | I Série - Número 16 | 25 de Outubro de 2001

 

foram reprovados (nos Estados Unidos, na França, na Dinamarca, na Irlanda), esses casos adquiriram rápida e excepcional celebridade; os casos, em série, de aprovação têm assegurado o esquecimento, graduados em cerimónias parlamentares ou classificados como formalidades constitucionais.
Queria aqui sustentar a ideia de que num país e num quadro em que o primado do Direito Comunitário se encontra adquirido e o exercício de poderes em comum, em sede europeia, se encontra radicado na Constituição, este é o acto pelo qual os portugueses, na sua pluralidade, o Parlamento e, por via dele, a Constituição Portuguesa permanecem senhores dos tratados e exercem a sua parte da soberania - aquela parte da soberania, ao menos, que pode viver e respirar no mundo de hoje.
Fala-se hoje, de forma crescente, numa constituição europeia como um projecto e, às vezes, fazem-no mais os que menos vocacionados estariam para o fazer. Porventura, ainda veremos aqueles que, no passado, queimaram essa ideia adorarem-na num ponto do caminho mais adiante - basta, aliás, atentar no sucesso recente e, aliás, justo da ideia de convenção.
Nós somos e seremos uma União instituída por tratados, constituída por tratados. Acredito que continuaremos a sê-lo, e os sinais dizem-nos também isso. É ainda assim legítimo dizer que, no quadro histórico, factual e constitucional português, o acto em que hoje participamos apresenta-se, e cada vez mais, como uma parte portuguesa de um incipiente processo de revisão dessa pactuada e já viva constituição europeia.
Se a soberania se define, ou se definia, pelo atributo de «não reconhecer superior», este é o nosso momento e este é o nosso lugar de escolher entre a distracção europeia e esse sentimento soberano, mesmo que o fenómeno correspondente se reorganize no mundo e se venha tornando mais incerto do que já costumava ser.
Muitos escreveram há muito sobre o «crepúsculo» do Parlamento, mas também nesse caso as notícias sobre o «cair da noite» se revelaram exageradas e prematuras.
Assiste-se, antes, a uma transformação do papel dos parlamentos no caso nos tratados de participação em organizações internacionais e, muito em particular, como é aqui o caso, no âmbito da União Europeia.
Sabemos bem que o papel dos parlamentos na construção europeia não se desenvolveria aumentando ou potenciando o número de vezes em que esses parlamentos reprovassem o que os governos tivessem aprovado, e isso com o multiplicador de perturbação resultante de o fazerem quase na ponta constitucional do processo de decisão.
O papel dos parlamentos nacionais, após as dificuldades e decepções que para alguns, ou para tantos, Nice terá representado, vai ter de ser promovido e recuperado mais atrás, numa prudente mas convicta aproximação parlamentar a essa forma conjunta de exercício de poderes que a nossa Constituição não exclui, antes prefigura, como todos sabem. Rumar para montante, iniciar mais cedo e em conjunto faculdades derivadas dos actuais papéis constitucionais, é uma direcção que pode servir os povos, os parlamentos e a Europa.
Ao contrário do que muitos pensam, não me parece que se possa resolver qualquer problema europeu significativo, actual ou futuro, importando, pura e simplesmente, de experiências passadas, de experiências constitucionais, de compêndios históricos ou de compêndios em voga, fórmulas ou conceitos constitucionais «prontos a servir», manifestamente nascidos noutros mundos. Exportar ou pretender transferir para a Europa modelos constitucionais parece interessante para alguma «engenharia» constitucional, mas não parece promissor para aplicar a uma União que nasceu diferente, cresceu já num mundo diferente e deve preparar-se para se afirmar também num mundo diferente.
Tomámos hoje consciência de que uma actividade parlamentar institucional, totalmente ou fundamentalmente exercida a jusante do processo negocial, é uma actividade de baixa escolha e de baixa influência - no limite, sim ou não, in ou out. É verdade que a competência soberana pode parecer a máxima, mas, na verdade, os condicionamentos ao seu exercício podem ser, eles sim, máximos, e, portanto, a escolha e a influência podem ser mínimas.
Sabe-se que uma das assimetrias que tem sido sublinhada nesta matéria é a de que, pela natureza das coisas, os governos negoceiam em conjunto e os parlamentos aprovam ou usam aprovar - e devem continuar a fazê-lo - em separado, parecendo aqui bem fácil acrescentar que o poder se situa onde existe e não existe onde apenas se situa.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: É bem possível que este Tratado de Nice, que quase um ano depois regressa ao nosso convívio - num mundo já significativamente alterado, como aqui foi referido -, nos atire para aquele patamar em que o papel dos parlamentos nacionais nos tratados europeus deixe de ser exactamente o que era, não pela subversão dos equilíbrios constitucionais mas, sim, pela reposição e rejuvenescimento dos papéis constitucionais dos órgãos de soberania electivos que os novos fenómenos de poder operam no sentido de reduzir ou de desequilibrar.
Os tratados europeus é que não poderão, talvez, continuar a ser o que têm sido na substância. Foi notoriamente difícil, ou pelo menos a imagem foi realista demais, que Nice fosse o que foi, sendo que Nice, não podendo ser mais, infelizmente para a Europa, não foi muito. Se essa lógica não fosse interrompida, correr-se-ia o risco de a desaceleração criar, da próxima, ainda menos.
Mas os tratados europeus também não poderão continuar a ser o que têm sido em matéria de método. Precisamos de ter parlamentos participantes não apenas no fim mas também em fases anteriores da feitura dos trabalhos europeus. Devemos ter, e vamos seguramente ter, trabalho e exercício em comum dos governos e trabalho e exercício em comum dos parlamentos sobre os problemas e sobre as soluções.
Esta poderá ser, pois, a última aprovação de um tratado instituidor da Europa em que a Assembleia se debruce sobre um texto em cuja elaboração não cooperou directa e continuadamente com outros parlamentos europeus.