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0965 | I Série - Número 018 | 31 de Outubro de 2003

 

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Assunção Esteves.

A Sr.ª Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Neste cruzamento de iniciativas cabe-me produzir algumas considerações sobre a proposta de lei n.º 88/IX, relativa à responsabilidade extracontratual do Estado.
Ao automatizar de novo a responsabilidade extracontratual do Estado, com a proposta de lei n.º 88/IX, o Governo junta-se ao Parlamento para afirmar na lei o que a Constituição já inscreve como princípio fundamental do Estado de direito, ou seja, o princípio de que a responsabilidade do Estado, quando ocorre violação de direitos e interesses dos particulares pelos seus órgãos ou agentes, é uma responsabilidade directa e objectiva e não indirecta e subsidiária. E que se estende a todas as funções do Estado: à função político-legislativa, à função jurisdicional e à função administrativa.
Com isto inaugura-se no Direito ordinário uma verdadeira cultura combativa de responsabilidade.
Sobre a afirmação da responsabilidade no âmbito da função administrativa, gostaria de lembrar que a densificação de um sentido de responsabilidade objectiva do Estado não resolve todos os problemas de imputação.
Se bem que o alargamento dessa responsabilidade à culpa grave, a criação de uma lógica de presunção de culpa por actos ilegais e a inclusão da ideia de falta de serviço resolvam alguns problemas de imputação, a verdade é que outros emergem e terão de ser resolvidos no desenvolvimento ulterior do processo legislativo.
Na verdade, este problema exige ao legislador, Parlamento e Governo, uma particular clarificação também das competências do Estado e das relações de competência dentro do Estado, exige uma maior simplificação do processo decisório e, neste sentido, podemos dizer que é feliz a coincidência de, neste debate, tratarmos a reforma da Administração Pública conjuntamente com o problema da responsabilidade extracontratual do Estado.
Existe, e deve existir, uma lógica integrada de alteração do estado de coisas, que passa não apenas pelos sistemas de criação de uma responsabilidade objectiva alargada mas também por uma nova arquitectura da administração pública.
Mas o desafio que se põe ao legislador - Governo e Parlamento - não se queda por este lado: esse desafio exige uma reponderação sobre a dualidade, a velha dualidade entre actos da gestão pública e actos da gestão privada.
Perante a emergência de novos paradigmas da acção política, em que a cidadania, cada vez mais, se estadualiza, em que os privados, cada vez mais, são mobilizados pela própria função do Estado ao chamamento para o desempenho de funções públicas, o problema da clarificação, da imputação e do sistema de responsabilidade exige uma reponderação e um comprometimento político sobre a subsistência - e a justificação dessa subsistência - da dualidade entre actos da gestão pública e actos da gestão privada.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a bondade das medidas que hoje aqui são propostas estende-se também ao facto de, com elas, se afirmar um regime de responsabilidade por facto da função jurisdicional, o que põe em relevo os casos de responsabilidade pelo atraso da justiça e o erro judiciário. Este regime que aqui se institui é um desafio também para alterações legais no âmbito do instituto da prisão preventiva e no âmbito do recurso de revisão, mas mais problemático é o âmbito da responsabilidade extracontratual do Estado pelo que respeita à responsabilidade por facto da função legislativa.
Aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não pode ser esquecida a presunção de racionalidade de que gozam as decisões democráticas. A presunção de racionalidade de que gozam as decisões democráticas dita que a responsabilidade por facto da legislação deve ser vista contidamente e tem os limites na violação directa e manifesta dos direitos fundamentais.
Como dizia Luhmann, não se pode medir pela mesma matriz o poder programante de um parlamento com o poder programado dos actos jurisdicionais e dos actos administrativos. A proposta de lei n.º 88/IX, que aqui apresenta o Governo, tem este mérito e esta especificidade: distingue-se claramente neste âmbito do projecto apresentado pelo PS porque clarifica e simplifica os pressupostos da responsabilidade por facto de legislação, porque toma consciência desta distinção fundamental entre o poder programante do parlamento e as decisões programadas dos juízes e dos agentes administrativos, sem euforia responsabilizatória, encarando a responsabilidade de forma responsável.
Por isso a cumprimento, Sr.ª Ministra, porque não se pode afirmar que a proposta que aqui traz é uma mera repetição das iniciativas já tomadas pelo Parlamento. Traz inovação, traz contributos constitutivos no ponto mais problemático e controverso em que tem de se definir a responsabilidade extracontratual do Estado, que é justamente a responsabilidade por facto legislativo.