15 DE DEZEMBRO DE 2006
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As circunstâncias que conduzem ao aborto atingem todos os níveis educacionais, todos os estratos económicos; Uma percentagem elevada de mulheres, cerca de 20%, afirma ter tido complicações depois do aborto.
Está, pois, de parabéns a APF pelo estudo efectuado, que veio concretizar, de um modo mais geral, as ideias que iam resultando das realidades que se conheciam, a principal das quais é a de que estamos perante um problema de saúde pública.
Apercebi-me, num muito recente debate no Porto, que o «não» tem uma concepção de saúde pública de antanho, porque, segundo a pergunta feita, só as doenças contagiosas merecem — para eles — a sua inclusão no conceito.
Ora, não sendo o aborto contagioso, não caberia ao Estado qualquer obrigação nesta matéria. Tratar-se-ia de episódios individuais a remeter para clínicas privadas — segundo o «não» — que, quando clandestinas, engrossariam os seus lucros com o encarecimento dos seus serviços à custa da maior perigosidade resultante da ameaça da repressão penal. Este conceito de saúde pública é um conceito arcaico, que quase faz rir.
Hoje, por exemplo, a saúde mental — e não consta que as doenças mentais sejam contagiosas —…
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Exactamente!
A Oradora: — … integra o conceito de saúde pública, o que acontece também com as consequências dos acidentes rodoviários, da violência doméstica e dos abusos sexuais de menores.
A saúde reprodutiva faz parte da saúde pública.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — Muito bem!
A Oradora: — Mas este é um conceito moderno que não entra na cabeça daqueles para quem isso de sexualidade é coisa pecaminosa.
Mas é também com base na dimensão do fenómeno que o «não» tenta combater a integração deste problema na área da saúde pública, fazendo uma leitura vesga e incompleta, propositadamente vesga e incompleta, dos registos hospitalares, sem considerar o que, a respeito da construção das estimativas sobre aborto inseguro, refere a Organização Mundial de Saúde.
Estamos, de facto, perante um problema de saúde pública, que não pode ser debelado sem alteração da lei penal, que ajuda a fomentar o fenómeno, sem a efectivação do direito ao planeamento familiar, do direito à educação sexual, parte integrante do direito à educação, e sem a efectivação de políticas que promovam os direitos fundamentais das mulheres.
Hoje não é altura de um debate da campanha do referendo aí nessas bandas, Srs. Deputados! O «não» pretenderia que nem sequer houvesse IVG legal, pretenderia que tudo fosse ilegal, aliás em consonância com a Conferência Episcopal Portuguesa, pois já não se gastaria um ror de dinheiro, segundo os seus cálculos, nos abortos legais, porque foram esses os cálculos que fizeram.
Mas «a segurança para a saúde das mulheres não é…» — como diz a CGTP — «… uma questão privada.
E as mulheres que recorrem à IVG não devem ser discriminadas nos cuidados de saúde, antes e depois do acontecimento.»
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
A Oradora: — Basta ler o documento da CGTP, que tem o lema: «Pelo SIM a força de quem trabalha».
A argumentação economicista do «não» omite e engana, sendo, por isso, desonesta, porque deveria incluir os cálculos dos muitos milhões a mais que os hospitais gastariam e gastam para tratar as consequências do aborto clandestino. A Organização Mundial de Saúde refere, no Relatório de 2004, que só o número de dias de internamento por aborto clandestino pode ser cinco vezes superior ao de internamento por aborto legal. E o custo das transfusões de sangue, da ocupação do bloco operatório, do tempo de trabalho de médicos e parteiras e dos medicamentos? E omite também que já se podem fazer IVG nos hospitais com a pílula RU 486, como o PCP preconizava em projecto de resolução apresentada há mais de um ano, que despertou o Sr. Ministro da Saúde para a necessidade de a introduzir em Portugal.
O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Muito bem!
A Oradora: — A argumentação do «não» é mais uma vez, uma argumentação antifeminina, pois despreza o sofrimento das mulheres que decidem recorrer à IVG e vota as mulheres ao ostracismo social.
Agora, o «não» argumenta com os gastos com a saúde das mulheres. Esqueceram-se das recomendações que lhes vêm dos EUA de que não se deve hostilizar as mulheres, para «levar a água ao moinho».
O PCP já está em força na campanha pelo «sim». Este é um problema que diz respeito a toda a sociedade e que, por isso mesmo, diz também respeito aos partidos políticos, que, constitucionalmente, têm a tarefa de contribuir para a formação da vontade política do povo.