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7 | I Série - Número: 060 | 16 de Março de 2007

E a sociedade alinhava e dizia: «Quanto mais me bates, mais gosto de ti». E desresponsabilizava-se: «Entre marido e mulher não metas a colher».
E assim se caminhava, mesmo falando de liberdades e direitos, ignorando o espaço privado dessa mesma liberdade.
Mas aquilo que não se pode continuar a ignorar é que, na sociedade, estes conceitos vão mudando, felizmente, mas continuam a estar presentes, em decisões lavradas pelos tribunais superiores.
Já conhecíamos a célebre tese que desculpabiliza uma violação pelo facto de se usar mini-saia e, sobretudo, por não se poder esquecer que se encontravam em «coutada do macho latino», citando o acórdão.
Depois, ficámos a saber que a ausência de sexo pode ser atenuante em caso de homicídio conjugal.
Assim como deixar esturricar a comida ou ir ao café também podem contar como atenuantes, em situação de homicídio.
Ai da mulher que se atreva a incumprir o papel que a sociedade lhe determinou, porque de vítima transforma-se em instigadora da sua própria sorte! Mas, ontem, fomos novamente surpreendidos por um novo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que absolveu um homem que agrediu a sua mulher, mas cuja conduta foi qualificada de ofensa à integridade física e não de crime de maus tratos conjugais. Considera o acórdão que este homem bateu na mulher «apenas…» — e sublinho o «apenas» — «… duas vezes».
Se, por um lado, estamos perante mais um acórdão que se vai juntar aos já aqui referidos pelas concepções que traduz, por outro, este acórdão leva-nos ao cerne do debate em curso sobre as alterações ao Código Penal e deve estar presente quando, em sede de especialidade, o artigo 152.º for tratado.
Para o Bloco de Esquerda, como, aliás, já afirmámos no debate na generalidade, a consagração do crime de violência doméstica é um avanço significativo. Mas a proposta do Governo não resolve o problema e, inclusivamente, pode mesmo significar um retrocesso, ao permitir que se repitam e perpetuem acórdãos semelhantes ao da Relação do Porto. A exigência da intensidade e da reiteração para a qualificação da conduta como crime de violência doméstica, significa, na prática, que os agressores continuarão a ser punidos meramente pelo crime de ofensas à integridade física. Incluir estas duas circunstâncias no tipo penal, implica a sujeição total ao poder discricionário do procurador do Ministério Público, que decidirá o que é ou não intenso e, mesmo que passe por este crivo, dificultará a prova em sede de julgamento, pois a mesma terá que ser produzida em relação a todos os factos, nomeadamente quanto à sequência de datas que justifica essa reiteração.
Temos de querer acabar com a impunidade dos agressores, porque, se não, apenas tratamos do apoio às vítimas — e não é essa a nossa responsabilidade política.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Oradora: — A nossa responsabilidade política é evitar as vítimas, é promover a igualdade, o exercício da liberdade individual de todas as pessoas, incluindo no espaço doméstico e no seio da conjugalidade.
E as mudanças fazem-se garantindo o apoio às vítimas, mas também se fazem combatendo a impunidade. Este facto é que fará toda a diferença em termos sociais, mas também em termos da defesa dos direitos das mulheres.
Num crime de violência doméstica, o bem jurídico a defender não é só a integridade física de uma pessoa; é, mais do isso, a sua liberdade e o seu direito à autodeterminação, no contexto familiar e de uma relação em que tem igualdade de direitos. Por isso, ele não pode ser confundido com ofensa à integridade física.
Se uma mulher é agredida por um homem na rua, essa agressão é uma ofensa à sua integridade física.
Mas se uma mulher é agredida pelo seu marido ou companheiro, é ofendida não só na sua integridade física mas também na sua liberdade e autodeterminação, num contexto de uma relação de confiança onde tem de existir igualdade de direitos.

Vozes do BE: — Muito bem!

A Oradora: — Este é um tema que tem de estar sempre presente na agenda política. A Assembleia da República associou-se, e bem, à campanha do Conselho da Europa «Parlamentos Unidos Contra a Violência Doméstica». Por isso, não podemos ignorar aquilo que se vai passando e temos o dever de recolocar este debate onde ele deve estar centrado — estamos a falar de direitos.
A violência doméstica não se limita à violência conjugal e à violência contra as mulheres. É mais vasta, atingindo crianças e idosos, independentemente do sexo.
Mas todos sabemos que a violência contra as mulheres é esmagadora nos números e é, sobretudo, fruto da sua subalternidade e de séculos de discriminação, estando enraizada nas concepções mais conservadoras, que, ainda hoje, atribuem um papel estereotipado às mulheres. Ora, é a inversão destes valores que é preciso acautelar na lei, nomeadamente no crime de violência doméstica.
Consciente de que é preciso ir mais longe, o Bloco de Esquerda irá apresentar um projecto de lei sobre a violência de género, no qual, entre outras medidas, proporá a criação de unidades especiais para a vio-