16 | I Série - Número: 073 | 20 de Abril de 2007
Por isso, interessa, sobretudo, nos organismos nacionais, mas também nos internacionais, que Portugal possa dar exequibilidade ao quadro legal que já existe. E, a nosso ver, ele é, no geral, suficiente para um combate eficaz à corrupção.
Assim, mantemos que é imprescindível, isto, sim, o reforço de meios materiais e humanos, sobretudo para combater a designada «nova corrupção»; a cooperação e partilha de informação nacional e internacional; a simplificação legislativa; a inclusão da corrupção nas prioridades de investigação criminal, ao abrigo da Lei-Quadro da Política Criminal, como propusemos no debate de há dois meses sobre esta matéria e que vemos, com agrado, ter sido acolhido pelo Governo, na proposta de lei que, hoje mesmo, deu entrada na Assembleia; uma aposta mais preventiva e a longo prazo na educação e na criação de uma cultura de serviço e respeito pela lei, como forma de prevenir a corrupção.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Enunciada a nossa posição de princípio, importa reflectir, em concreto, sobre o projecto de lei do PSD.
Os autores invocam o disposto no artigo 20.º da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, que exorta os Estados-parte a adoptarem medidas legislativas e de outra índole que qualifiquem como delito o enriquecimento ilícito. É verdade! Mas não menos verdade é que, nessa mesma Convenção e nesse mesmo artigo, existe, explicitamente, uma referência a «desde que respeitem as respectivas Constituições». E isto, para nós, é fundamental: o respeito pela nossa Constituição, por parte de quaisquer medidas, por muito bondosas que possam ser.
Segundo os proponentes, este comando, que se traduz num crime de perigo abstracto, não pressupõe qualquer inversão do ónus da prova, pois atribui à acusação, e em exclusivo, a prova dos rendimentos do investigado, do seu património e modo de vida, da manifesta desproporção entre aqueles e estes e de um nexo de contemporaneidade entre o enriquecimento e o exercício das funções públicas.
Ora, a nosso ver, a previsão da norma incriminatória deveria estatuir que só se pudesse formar a suspeita deste eventual enriquecimento ilícito se o arguido já tivesse sido condenado por sentença transitada em julgado por crime praticado no exercício de funções. Seria o mínimo exigível para uma norma que pretende incriminar com base apenas num perigo abstracto. Seria o mínimo de segurança jurídica que seria exigível para que, de facto, pudéssemos «despoletar» esta proposta.
Por outro lado, a afirmação de que não existe aqui uma presunção de culpabilidade do arguido, a nosso ver, terá de ser entendida cum grano salis: afinal, a quem vai caber a prova de que o património ou o modo de vida provêm de meio lícito? Será, necessariamente, ao arguido, pois o processo-crime não é destinado à prova pelos cidadãos que cumprem a lei, antes, pelo contrário, e, aliás, justamente! Não será também, certamente, o Ministério Público que vai provar que o enriquecimento provém de meio lícito, antes, pelo contrário.
De resto, em momento algum da exposição de motivos os autores do projecto de lei referem que a prova do nexo de causalidade — e isto, na nossa opinião, seria importante — entre o enriquecimento e o exercício de funções públicas cabe ao Ministério Público, porque aí, sim, não haveria qualquer inversão.
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — Pois cabe!
O Orador: — Mas era importante que estivesse escrito, Sr. Deputado!
O Sr. Luís Montenegro (PSD): — E está!
O Orador: — Não dei conta disso e julgo que, pelo menos, não está tão claro como deveria estar. É que também há um nexo de contemporaneidade, além do de causalidade, que são matérias diferentes! Mas, se é essa a intenção, ainda bem, estão no bom sentido e têm a nossa concordância. Porém, é importante que fique claro que não é o nexo de contemporaneidade mas o de causalidade que cabe ao Ministério Público provar.
Por fim, sublinhamos que, se esta norma não for corrigida, no sentido de prever que só se considera existir perigo quando o arguido tenha sido previamente condenado por sentença transitada em julgado por crime praticado no exercício de funções, poder-se-ão, virtualmente, configurar concursos de normas entre este tipo legal e os demais tipos legais que pressuponham o exercício de funções públicas, o que esta Assembleia tem o dever de evitar.
Em suma, e coerentemente com o que dissemos há dois meses, o combate à corrupção é prioritário, todos o afirmam. Nós também o afirmamos e, por isso, como então, apesar da profunda discordância com outros projectos de lei que vinham num sentido muito similar a este, viabilizaremos esta iniciativa para baixar à respectiva comissão e para que, de uma vez por todas, com um debate amplo, plural e, sobretudo, eficaz sobre esta matéria, possamos arranjar um conjunto de soluções, de propostas e de medidas que encaremos como um combate real e verdadeiro à corrupção.
É este o nosso dever e será esta, apesar das nossas críticas profundas a este projecto de lei, a nossa atitude, em nome de princípios que prezamos desde sempre e não apenas desde um discurso proferido