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6 | I Série - Número: 071 | 24 de Abril de 2009

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Venho falar-vos de um responsável público que, a troco de uma informação prévia de qual seria a empresa vencedora de um concurso público, recebe uma comissão relativa à construção de uma obra bem paga.
Da existência súbita de uma autorização, bem compensada, para a derrogação de um plano director municipal.
De um responsável local que, com regularidade, recebe comissões por obras que deixa fazer nos limites do seu município.
De um funcionário ou titular de cargo público que, a troco de uma compensação, num parque de reserva ecológica, permite a obtenção de uma licença para construir uma casa particular.
De um titular de cargo político que autoriza a cedência, a baixo preço, de terrenos públicos, com o objectivo de permitir que determinado clube de futebol realize negócios imobiliários.
De um alto responsável político que, a troco sabe-se lá de quê, constrói uma rede promíscua entre as suas competências e serviços e certas empresas privadas com o objectivo de, compensando todos, intermediar e executar compras do Governo.
De um responsável político que recebe «luvas» em «dinheiro vivo», para não deixar rasto.
De funcionários públicos e de titulares de cargos políticos que, sem que se explique, acumulam fortunas ou passam a ter um «trem» de vida manifestamente incompatível com os rendimentos que auferem.
Destas e de muitas outras situações vamos, com regularidade, ouvindo falar nas conversas de café, em encontros casuais, em sussurros de quem alguma coisa sabe ou já mesmo na comunicação social. Todas elas têm um traço comum que é a convergência de interesses e o consequente pacto de silêncio que fazem abortar investigações, numa justiça ainda marcada pela lentidão e por alguma ineficácia, resultado de longos anos de desinteresse e de falta de vontade política por um sector vital da nossa democracia.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Comecei a minha intervenção como comecei a 20 de Abril de 2007, quando, por iniciativa também do PSD, foi nesta Câmara discutido o projecto de lei n.º 374/X (3.ª), acerca do crime de enriquecimento ilícito. E fi-lo repetindo a sua parte inicial porque, infelizmente, a situação não se alterou. Bem pelo contrário, a realidade é hoje mais grave! E, por o fenómeno da corrupção se ter agravado, aqui estamos de novo, a insistir! E insistimos, primeiro, porque a iniciativa então apresentada e agora renovada, para além da sua necessidade como instrumento indispensável no combate à corrupção nas suas mais variadas formas, obedece e cumpre todos os preceitos legais aos quais se deve sujeitar, a começar pela Constituição da República Portuguesa; segundo, porque o PS, e só o PS, impondo a sua maioria, cada vez mais distante da realidade do País, chumbou a iniciativa em causa, e fê-lo com um só e mal fundamentado argumento, usado à boa maneira da propaganda, ou seja, de forma manipuladora e enganosa.
O argumento centrava-se no facto de o novo tipo legal de crime ter como consequência a inversão do ónus da prova, já que seria o acusado e não o Estado quem teria que fazer prova dos elementos constitutivos do respectivo crime. Não é verdade!

Vozes do PSD: — Muito bem!

O Sr. Fernando Negrão (PSD): — Embora o PS queira fazer querer que esta é a verdade, assim enganando e confundindo os portugueses, que o que sabem é que a corrupção alastra e o que querem é que se faça uma guerra sem quartel contra este nocivo fenómeno.

Aplausos do PSD.

Mas não vale tudo! E, por sermos os primeiros a saber que não vale tudo, reflectimos, estudámos e elaborámos um projecto de diploma que tipifica criminalmente a situação de enriquecimento ilícito sem que ocorra a inversão do ónus da prova e, por isso, respeitando integralmente o princípio da presunção da inocência do arguido.
Senão, vejamos: estabelece a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, à qual Portugal está vinculado, no seu artigo 20.º, que «Com sujeição à sua Constituição e aos princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico, cada Estado Parte considerará a possibilidade de adoptar as medidas legislativas e de outra índole que sejam necessárias para qualificar como delito, quando cometido intencionalmente, o enriquecimento ilícito, ou seja, o incremento significativo do património de um funcionário público relativamente aos seus rendimentos legítimos que não possam ser razoavelmente justificados por ele».
É do conhecimento público a situação de pessoas que, quase de um momento para o outro, e sem que para tal exista qualquer razão plausível, passam a ter um nível de vida, ou uma fortuna acumulada, manifestamente superior ao que derivaria da remuneração ou dos proventos da sua actividade profissional.
Estas situações, muitas vezes participadas ou detectadas ao longo de outras investigações pelas autoridades judiciárias, por si só não podem ser alvo da abertura de um inquérito e, por isso, não havendo indícios da prática de qualquer crime específico, são pura e simplesmente arquivadas.