I SÉRIE — NÚMERO 3
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O Sr. Secretário (Abel Baptista): — Sr.ª Presidente e Srs. Deputados, o voto é do seguinte teor:
«No passado dia 2 de setembro, Portugal perdeu mais um grande vulto da sua cultura. Nascido a 31 de
agosto de 1941, em Lisboa, faleceu em Paris, aos 71 anos de idade, o compositor e pedagogo Emmanuel
Nunes, reconhecido em Portugal e em toda a Europa como um dos principais compositores de referência da
sua geração.
Aluno em Portugal de Fernando Lopes-Graça e Francine Benoît, a partir de 1964 exila-se em Paris para
aprofundar a sua aprendizagem e por oposição à ditadura.
Altamente racional nas suas opções estéticas, a sua obra revela um caminho próprio, na senda das
linhagens mais vanguardistas que a Europa trilhou a partir dos Cursos de Darmstadt, na Alemanha, no início
dos anos 60, centro musical onde chegou em busca de conhecimento, entusiasmado pela descoberta da
vanguarda musical que se produzia na Europa central, praticamente desconhecida em Portugal.
Em 1971, obteve o prémio de Estética da Escola Superior do Conservatório Nacional de Música de Paris, e
de 1978 a 1979 é convidado pela DAAD de Berlim como compositor residente.
Inicia a sua carreira como pedagogo, em 1974, na Universidade de Pau, em França, e leciona na Escola
Superior de Freiburg, em Breisgau, Alemanha, na Escola Superior do Conservatório Nacional de Música de
Paris e em Harvard, entre outros locais. Entre 1988 e 2007, trabalhou regularmente com o IRCAM (Institut de
Recherche et Coordination Acoustique/Musique) de Paris, fundada por Pierre Boulez.
O seu destino como compositor ficou marcado pelo debate estético e pela reflexão intelectual em torno dos
caminhos da linguagem musical que foi beber em Pierre Boulez, Henri Pousseur e Karlheinz Stockhausen,
tendo sido ele próprio um interventor direto dos caminhos da música erudita ocidental a partir do final da
década de 70.
Consciente da revolução estética que pode representar o recurso às novas tecnologias, Emmanuel Nunes
interessa-se particularmente pelo aspeto “orgânico” da obra, misturando criatividade e conhecimento científico,
e dando assim corpo ao que muitos consideraram um “pensamento musical luxuriante”.
Os primeiros concertos da obra de Emmanuel Nunes têm lugar na Fundação Gulbenkian em Lisboa, em
1970 e 1971, mas a notoriedade vem com a estreia de Ruf, encomendada pela Fundação Calouste
Gulbenkian e estreada em 1977 no Festival de Donaueschingen, que marcaria a entrada de Emmanuel Nunes
na cena internacional.
Nachmusik, Machina Mundi, Lichtung, Quodlibet, são alguns dos títulos incontornáveis da sua vasta
produção musical, que trilhou sempre um caminho difícil num universo próprio e num projeto estético pessoal,
marcado pelo fascínio com as possibilidades proporcionadas pela tecnologia e pela informática, pela
integração da eletrónica em tempo real no efeito sonoro, e, em particular, pela distribuição espacial das fontes
sonoras.
Ao longo das décadas de 80 e 90, do século passado, a sua obra foi passando a constar do repertório dos
agrupamentos mais importantes de música contemporânea mundial, como o Ensemble Modem ou o Ensemble
Intercontemporain, e apresentada em salas e festivais de todo o mundo, como o de Paris, Edimburgo,
Bruxelas ou Zurique.
A obra vasta que deixou aborda inúmeros géneros — do solo instrumental ao gigantismo sinfónico,
passando por inúmeras combinações de câmara e de conjunto, pela escrita vocal, solista a cappella ou coral-
instrumental, pela ópera e pela música eletrônica, cujos territórios explorou sistematicamente e para cujo
desenvolvimento estético deixou um contributo internacionalmente reconhecido.
Ao longo de quase quatro décadas, Emmanuel Nunes nunca deixou de estar próximo de Portugal e do seu
universo musical. Manteve presença regular nas programações das principais instituições culturais
portuguesas, quer através da Fundação Calouste Gulbenkian — que lhe encomendou grande parte da sua
obra, a apresentou ao longo das várias temporadas e apoiou a sua internacionalização —, quer através da
Casa da Música e do agrupamento Remix ou, ainda, do Teatro Nacional de São Carlos, que lhe encomendou
e apresentou, em 2007, a sua única ópera, Das Marchen.
Em Portugal, marca uma geração de jovens compositores que com ele contactaram e que sob a sua
orientação se abriram a horizontes estéticos de grande complexidade e de especificidade própria, sem
paralelo nas correntes estéticas nacionais.
De si próprio e do seu trabalho diz: ‘é mais importante saber o que não quero, do que o que quero’.