I SÉRIE — NÚMERO 64
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É esta a visão pessimista, ou realista, que o documento das Grandes Opções nos transmite e é, de facto, a
situação que vivemos neste momento.
As tais três inovações de que falava são, desde logo, as seguintes: as Grandes Opções desenvolvem uma
conceção moderna de segurança nacional, onde se integram as dimensões externas e as dimensões internas
da defesa e da segurança, no respeito pela Constituição e não mais para além do que a Constituição permite,
mas, se calhar, não para além do que eu gostaria que a Constituição permitisse, em matéria de participação
das Forças Armadas em missões de segurança interna.
O documento explica, de uma maneira realista, como essas fronteiras entre o domínio interno e o domínio
externo da segurança se dissipam entre a multiplicação dos Estados falhados, a emergência das redes
terroristas islâmicas ou a ameaça constante dos ciberataques cuja origem é extremamente difícil de definir e
onde é necessário coordenar, de forma centralizada, as políticas internas e as políticas externas, as Forças
Armadas, as forças e os serviços de segurança, os serviços de informações.
Parece-me que é óbvio que não podemos dispensar a participação de todos estes organismos dos Estados
no combate a este tipo de ameaças.
Por outro lado, as Grandes Opções redefinem os espaços vitais para a defesa e a segurança nacional num
quadro de mudança de equilíbrios internacionais em que as velhas alianças são postas à prova pela
multiplicação das crises e pela emergência de novas potências.
Neste exercício confirma-se, por um lado, a ancoragem fundamental de Portugal na Europa Ocidental e no
espaço euro-atlântico e, por outro lado, valoriza-se a reconstrução da unidade do Atlântico Norte à procura de
um espaço mais aberto em que Portugal possa realizar e maximizar os traços específicos da sua história e da
sua política.
O novo método de delimitação dos espaços de interesse estratégico nacional procura, e cito o documento,
«uma conjunção entre os valores e os interesses, a geografia e a história para definir os espaços estratégicos
prioritários e solidários entre si: a Europa Ocidental, a Comunidade de Segurança do Atlântico Norte e o
Atlântico como um todo».
Mas vale a pena referir o terceiro espaço, que é o onde existe uma dimensão inovadora neste documento.
O terceiro espaço estratégico é definido como a Unidade do Atlântico e corresponde, por um lado, a uma
mudança na política internacional e, por outo, a uma inovação do enunciado na estratégia de segurança
nacional portuguesa.
O Atlântico transformou-se, com a democratização na América Latina e com o surgimento de novas
potências, incluindo o Brasil, a África do Sul e Angola, e, nesse sentido, tornou-se essencial para a nova
política geoestratégica nacional.
Nesse novo quadro passaram a existir condições para a construção de uma convergência democrática no
Atlântico, para a sua valorização, como entidade estratégica e para a invenção de uma nova identidade para o
Atlântico, que tem de ser procurada e encontrada com a participação transparente e construtiva dos dois lados
do Atlântico.
A importância do Atlântico para Portugal é evidente, desde logo quando a maioria dos Estados-membros
da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa está à volta do Atlântico e porque Portugal é tanto mais
central no espaço do Atlântico quanto é periférico no espaço da Europa alargada.
As Grandes Opções defendem, e cito, «a unidade do Atlântico antecipa a necessidade de uma nova
comunidade transatlântica» e tem propostas muito concretas para concretizar esse desígnio quando defende,
em primeiro lugar, uma parceria trilateral entre Portugal, Brasil e Angola e, em segundo lugar, quando antecipa
a parceria transatlântica entre os Estados Unidos e a União Europeia pela criação de uma área de comércio
livre no Atlântico Norte, que tem vocação para se alargar ao Brasil e à América do Sul e, em terceiro lugar,
quando o documento refere a importância de parcerias estratégicas bilaterais entre Portugal, Angola, Cabo
Verde e S. Tomé e Príncipe.
Por último, as Grandes Opções são inovadoras no seu reconhecimento pela importância decisiva dos
espaços comuns, que representam uma dimensão crítica, e passo a citar, «para a segurança e defesa não só
de Portugal como para o conjunto das democracias da política internacional». Este é um novo tema de
referência nas estratégias de segurança internacionais e até, também, um domínio eletivo da cooperação
multilateral entre Portugal e a NATO e entre Portugal e a União Europeia.