15 DE MARÇO DE 2014
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normal ciclo da vida, na expectativa de que o adotante possa acompanhar o adotando até este atingir idade
adulta.
Importa, por outro lado, atender ao regime jurídico da filiação, definido nos artigos 1796.º e seguintes, que
configura um verdadeiro direito à filiação. Este direito do menor impõe ao Ministério Público a obrigatoriedade
de proceder a diligências de averiguação da identidade dos progenitores, sempre que o registo seja omisso.
Queremos com isto dizer, como já referimos, que existe um verdadeiro direito à filiação: todos temos o direito
de saber quem são os nossos progenitores. Há, evidentemente, exceções, entre elas, precisamente, no
instituto da adoção, nomeadamente na adoção plena: o artigo 1987.º do Código Civil estabelece que «Depois
de decretada a adoção plena não é possível estabelecer a filiação natural do adotado nem fazer a prova dessa
filiação fora do processo preliminar de casamento», o que se compreende porquanto, visando a adoção
estabelecer «um vínculo semelhante ao da filiação», fica, por esta via, restabelecida a maternidade, a
paternidade, ou ambas, do menor.
Cremos ser inquestionável que a família biológica é, em regra, o ambiente ideal de desenvolvimento de
uma criança. Só quando a família biológica falha, por inúmeras razões por todos nós conhecidas, se procura
um outro ambiente familiar que proporcione o seu pleno desenvolvimento.
É este o sentido do n.º 6 do artigo 36.º da Constituição, que determina que «Os filhos não podem ser
separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre
mediante decisão judicial». E não é por acaso que o número seguinte determina a existência do instituto da
adoção. Quer isto dizer que o nosso ordenamento jurídico impõe que uma criança tenha sempre um pai e uma
mãe? Nada mais longe da realidade, que nos mostra que a ausência de um progenitor é muitas vezes
colmatada pelo outro progenitor, mantendo assim a criança condições essenciais ao seu crescimento. Tal
como são conhecidas situações de menores que são confiados a familiares próximos, por se considerar que,
face às circunstâncias do caso concreto, essa se afigura a solução mais adequada.
São, pois, inúmeras as respostas que a realidade nos oferece para ultrapassar a ausência dos
progenitores. Os laços de afetividade constroem-se na diversidade que a própria natureza da vida nos
proporciona e são neles que o direito procura respostas, reconstruindo, por via do direito, o que a vida
destruiu. Não duvidamos, nem questionamos a capacidade de casais homossexuais proporcionarem o integral
desenvolvimento físico, intelectual e moral de uma criança — isso seria negar a evidência. Recusar essa
possibilidade a muitas crianças era não só, repetimos, negar a realidade como ignorar a força que a
afetividade humana em si encerra. O que já não compreendemos é a intenção de se querer, por força da lei,
estabelecer entre um casal homossexual e uma criança os efeitos jurídicos que decorrem da adoção, que tem
por finalidade a reconstituição da filiação. A maternidade e a paternidade são conceitos singulares, construídos
sobre a essência de todos nós. Podemos juridicamente ficcionar que assim não é, mas isso não terá a força
de alterar o que na natureza é. Por isso, entendemos que não devemos confundir a possibilidade de casais de
pessoas do mesmo sexo criarem uma criança com a admissibilidade de esse casal assumir, conjuntamente,
só a paternidade ou só a maternidade, como se de conceitos plurais se tratassem.
A filiação é um direito natural, substituído, tanto quanto possível, pela adoção, no interesse da criança.
Estender esse regime a casais homossexuais com o argumento de que, à luz do nosso ordenamento jurídico,
é possível estes contraírem casamento é construir um castelo jurídico sem terra por baixo. Aceitar a adoção
por casais homossexuais é dar a uma criança duas paternidades, mas negar-lhe uma maternidade, ou vice-
versa.
Votámos, e aplaudimos, a aprovação da lei que admitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo por
entender que, no âmbito da liberdade individual, a submissão a um regime jurídico como o casamento apenas
vincula a quem ele se quer submeter. Nem colhe, assim, em nosso entender, o argumento de que os casais
homossexuais têm direito a ter os mesmos direitos que os casais heterossexuais, porque, efetivamente, já o
têm. Ambos estão sujeitos aos efeitos pessoais e patrimoniais que o casamento determina. Acresce que não
pode confundir-se o conceito de família com o do casamento, como se uma realidade fosse causa necessária
da outra. Não o é. Seria, também aqui, negar a evidência considerar inexistentes as famílias construídas sem
que na sua origem esteja a instituição casamento.
Em segundo lugar — e o mais importante —, incluir nos direitos decorrentes do casamento o direito à
adoção é, antes de mais, ignorar que o direito à adoção é, fundamentalmente, da criança, não dos cônjuges.