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10 DE OUTUBRO DE 2014

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Entendo, ainda, ser digna de registo a dimensão dada pela iniciativa aos valores e princípios consagrados

na Constituição da República Portuguesa quanto ao domínio da água.

De facto, a Constituição que consagra que é incumbência prioritária do Estado a adoção de uma política

nacional da água, com aproveitamento, planeamento e gestão racional dos recursos hídricos, decorrendo tal

missão da tarefa de promoção de desenvolvimento económico e social a levar a cabo pelo Estado.

Feito o reconhecimento, saúdo os cerca de 44 000 cidadãos e a sua comissão representativa.

Esta iniciativa procede, assim, à revogação de aspetos da Lei da Água e do Regime da Titularidade dos

Recursos Hídricos.

Sr.as

e Srs. Deputados, o mote está dado. Esta iniciativa tem de ser vista quanto ao alcance da sua redação

— lá está —, mas também muito para além dela.

Na verdade, a sociedade desafia os Deputados da Nação a voltarem a debater qual deve ser o papel ou

papéis do Estado: se o de Estado regulador, se o de Estado gestor, se o de Estado prestador. Eu diria mesmo

o de «Estado vendedor de todos e quaisquer ativos estratégicos», ou o de «Estado liquidatário da Águas de

Portugal e da autonomia do poder local». Faz todo o sentido este questionamento.

Afinal, a maioria PSD/CDS-PP introduziu, em setembro de 2011, na primeira atualização do Memorando de

Entendimento, a Águas de Portugal no plano de privatizações, para, em março de 2012, na terceira

atualização, em face da contestação, maquilhar a opção, parecendo infletir, surgindo então a ideia de

concessão do Grupo, na qual não nos revemos.

Sejamos claros: na essência, a discussão é sobre a necessidade de o Estado não se demitir nem ser

dispensado da prossecução do interesse público relativamente a um bem único e fundamental, a água.

Sr.as

e Srs. Deputados: Na área do ambiente, mais do que à política do Powerpoint, o Governo tem-nos

habituado à decisão de supetão.

Quando menos se espera, eis que se fundem institutos, vende-se património público — como a Casa do

Ambiente e do Cidadão —, aprova-se um regulamento tarifário para os setores das águas e dos resíduos e

liquida-se a Empresa Geral de Fomento.

De supetão, entre uma audição regimental na Assembleia da República e uma deslocação a Nova Iorque,

anunciam-se profundas alterações ao nível do setor das águas, seja quanto ao modelo territorial da Águas de

Portugal, seja quanto à reorganização corporativa do Grupo. Estamos esclarecidos!

Nos últimos 20 anos, a evolução do acesso e qualidade de serviços prestados permitiu que 95% dos

portugueses passassem a dispor de serviços de abastecimento público de água, 99% da água controlada e de

boa qualidade, 80% das águas residuais urbanas são tratadas, e que, chegados a 2014, 300 praias tivessem

podido hastear a bandeira azul.

Mas, Srs. Deputados, há o reverso da medalha, que as intervenções anteriores à minha aqui não referiram:

nos últimos três anos, ¾ da Legislatura, sem que nada fosse feito por quem tanto criticou o anterior Governo;

cresceu o défice tarifário, que já vai nos 600 milhões de euros; as dívidas dos municípios não pararam de

aumentar, alcançando os 500 milhões euros, mais de três vezes o valor pelo qual foi alienada a Empresa

Geral de Fomento.

Nos últimos três anos, os municípios e o País foram atirados para um ponto em que, sem reestruturação do

setor das águas, seria necessário um aumento médio da tarifa em 70% para obter o reequilíbrio financeiro dos

serviços de água e saneamento.

Ora, aqui está o «alibi» da maioria de direita: o Estado é irremediavelmente ineficaz e incapaz! Insinuam!

Com ameaças destas, força-se uma reforma do setor das águas, alinhada — imagine-se! — com o

crescimento verde em torno da agregação dos atuais 19 sistemas multimunicipais em cinco sistemas de maior

dimensão, maximizando ganhos de escala e de gama, com benefícios para a tarifa, atenuando a disparidade

tarifária e normalizando a relação com os municípios. Cinco sistemas mais apetecíveis para o setor privado,

claro está!

É neste quadro que acresce a importância deste debate e desta iniciativa em particular.

Quanto à iniciativa legislativa, podemos situar-nos exclusivamente na indisponibilidade absoluta, que

efetivamente revela, em aceitar situações, digamos, de «menor porte» quanto ao envolvimento dos setores

público e privado ou, antes, «ler» que o seu espírito é o de travar uma política — a política em curso — que

pretende transformar a água e o serviço público num negócio altamente lucrativo para o setor privado, o que

obviamente não acontecerá sem custos de diversa ordem.