I SÉRIE — NÚMERO 72
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Embora não seja da minha conta, também não soube de qualquer debate aprofundado a este respeito no
Grupo Parlamentar do PSD que pudesse servir de guia ou referência. Apesar da importância e do melindre da
matéria, o modo funcional prevalecente no sistema político é o de «carregar pela boca» como nos velhos
canhangulhos ou nos gansos do foie gras.
E há uma terceira linha de ilegitimidade, que é a mais grave: a ilegitimidade desta decisão parlamentar,
face aos factos do processo.
Importa recordar os três tipos de interesses fundamentais em causa: interesses e direitos fundamentais de
Portugal quanto à Língua Portuguesa; interesses fundamentais da nossa economia e das nossas empresas e
profissionais; interesses fundamentais de cidadania, no acesso à justiça. E importa lembrar ainda que, como
acordo internacional, se tratará porventura de um passo sem recuo.
É sabido serem várias as organizações representativas que se exprimiram contra; e haver polos de
interesses legítimos de profissionais que se têm manifestado contra. Em contrapartida, não se conhecem
organizações relevantes portuguesas que apoiem o novo regime e avancem argumentos convincentes.
Há constitucionalistas que suscitaram questões de possível inconstitucionalidade, quer já aquando do
primeiro ato, quer deste segundo ato relativo ao Tribunal Unificado de Patentes. E estas questões não foram
suficientemente tratadas, nem dirimidas.
Neste quadro, o normal e saudável, para um processo parlamentar completo e legítimo, seria que a
comissão encarregue de apreciar e emitir parecer (a Comissão de Negócios Estrangeiros/CNECP) colhesse
pareceres e contributos específicos da 1.ª Comissão (quanto às questões de constitucionalidade e de acesso
à justiça), da 4.ª Comissão (quanto às questões europeias), da 6.ª Comissão (quanto às incidências na nossa
economia, nas empresas e nos profissionais) e da 8.ª Comissão (quanto às questões da língua e seu
estatuto).
Dir-se-á: ninguém requereu. Primeiro, só em parte é verdade. Segundo, sendo necessário, estávamos em
tempo de o fazer.
Quando tive conhecimento de esta matéria estar pendente de parecer da CNECP e não ter sido pedido
contributo da Comissão de Assuntos Europeus/CAE, requeri, a 19 de março, que isto fosse feito. O Presidente
da Comissão de Assuntos Europeus (CAE) agiu prontamente no próprio dia, apresentando a questão à
Presidente da Assembleia da República (PAR), que despachou, no dia 23, nos seguintes termos:
«Redistribua-se conforme solicitado. Às 2.ª e 4.ª Comissões.» (Retenha-se bem o teor deste Despacho da
PAR, a que voltarei adiante.)
No dia 24, é-me comunicado este Despacho, incluindo a indicação de que o parecer da Comissão de
Assuntos Europeus era distribuído ao CDS-PP. Como coordenador, assumi de imediato a responsabilidade.
No dia 25, apresentei um plano de audições para ser efctuado pela CAE, no contexto do parecer
determinado. Todas elas são pertinentes — poderiam, quando muito, propor-se mais algumas, com outros
pontos de vista ou representando outros interesses relevantes.
No dia 31, a CAE apreciou o plano de audições apresentado — e chumbou-o em globo, pelo voto da
autoridade do PSD. Não me recordo de semelhante precedente. Não me recordo de um relator de um parecer
propor perante a comissão a que responde um plano de audições pertinentes e estas serem globalmente
rejeitadas, impedindo o seu trabalho.
Propus a audição da Confederação da Indústria Portuguesa — a Assembleia não quis ouvir. Propus a
audição da Associação Portuguesa de Consultores em Propriedade Intelectual — a Assembleia não quis
saber. Propus a audição da Ordem dos Advogados — a Assembleia chumbou. Propus a audição de uma
delegação representativa de tradutores de patentes (especialistas doutorados) — a Assembleia desprezou.
Propus a audição do constitucionalista Prof. Rui Medeiros — a Assembleia rejeitou. Propus a audição da
Deloitte, a propósito do estudo feito recentemente sobre a matéria — a Assembleia impediu. Propus a audição
do Embaixador de Espanha, sobre a posição do Estado espanhol — a Assembleia declinou. Propus a audição
do Embaixador da Polónia, sobre a posição do Estado polaco — a Assembleia reprovou. E propus a audição
da delegação da Comissão Europeia, sobre o estado geral da matéria — a Assembleia descartou. Com o seu
voto impositivo e global contra o plano de audições apresentado, a autoridade do PSD boicotou e impediu um
trabalho sério por parte do relator da CAE.
Esta questão foi apreciada na reunião seguinte da 4.ª Comissão, a 7 de abril, em que apresentei também
quais seriam os efeitos deste quadro muito negativo.