18 DE MAIO DE 2017
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Na verdade, quando, na revisão constitucional de 1997, se consagrou o direito de voto dos emigrantes nas
eleições presidenciais, esse direito foi constitucionalmente condicionado à comprovação de laços de efetiva
ligação à comunidade nacional, cujo critério de aferição foi remetido para lei a aprovar por maioria de dois terços.
Na Lei Eleitoral, a opção assumida foi a de que, sendo o recenseamento no estrangeiro voluntário, essa
manifestação de vontade por parte dos cidadãos seria considerada como prova de ligação efetiva à comunidade
nacional e, como tal, foi reconhecido aos cidadãos voluntariamente recenseados no estrangeiro o direito de voto
na eleição do Presidente da República.
Ora, se o recenseamento passa a ser automático, cai pela base a habilitação constitucional para o direito de
voto nas eleições presidenciais.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Estamos perante uma clara violação da Lei Eleitoral para o Presidente da
República, que é uma Lei de valor reforçado cuja aprovação requer maioria qualificada de dois terços.
Temos por inequívoco que o recenseamento no estrangeiro deve ser facilitado, mas nunca pode dispensar
uma manifestação de vontade por parte dos cidadãos residentes no estrangeiro que lhes permita uma de três
opções: não estar recenseado, estar recenseado no estrangeiro ou manter o recenseamento em território
nacional, caso tenham cá residência.
Importa a este respeito lembrar duas coisas.
Por um lado, um cidadão que tenha o seu recenseamento transferido para o estrangeiro perde o direito de
voto nas eleições autárquicas. Se tiver residência em território nacional e tiver interesse em exercer cá o seu
direito de voto, deve poder fazê-lo, do nosso ponto de vista. O recenseamento automático impede essa
possibilidade.
Por outro lado, de acordo com a lei do país de residência, um cidadão que exerça direitos políticos em
Portugal pode perder esse direito no país de acolhimento. Essa seria mais uma consequência indesejável do
recenseamento automático, o que é muito grave e não pode deixar de ser evitado.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Bem lembrado!
O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Acresce ainda que a inscrição automática de perto de um milhão de eleitores
nos cadernos eleitorais altera substancial e irremediavelmente o colégio eleitoral nacional.
No caso da realização de um referendo em que estes cidadãos tenham direito de voto, a taxa de abstenção,
que invariavelmente se verifica no estrangeiro, condena praticamente o referendo à ineficácia jurídica.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Queira terminar, Sr. Deputado.
O Sr. AntónioFilipe (PCP): — Vou terminar, Sr. Presidente.
Em suma, a inscrição dos cidadãos no recenseamento eleitoral no estrangeiro deve ser facilitada, mas isso
não pode ser feito à custa da violação de preceitos constitucionais e da criação de efeitos indesejáveis que
podem mesmo ser lesivos de direitos dos próprios emigrantes nos países de acolhimento. O recenseamento no
estrangeiro não pode dispensar uma manifestação de vontade da parte dos cidadãos.
Finalmente, Sr. Presidente, a proposta do PSD de permitir o voto por correspondência nas eleições
presidenciais seria um gravíssimo retrocesso. A consagração do direito de voto dos emigrantes nas
presidenciais teve como condição expressa o voto presencial, por se entender que este ato eleitoral não pode
ficar sujeito à insegurança, por todos reconhecida, do voto por correspondência.
Aplausos do PCP e de Os Verdes.
O Sr. Presidente (José Manuel Pureza): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Vânia Dias
da Silva.