I SÉRIE — NÚMERO 88
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com a realidade, que deve ser o mote da discussão política destas matérias, que são tão sérias para o nosso
País.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente (Jorge Lacão): — Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Filipe Neto
Brandão.
O Sr. Filipe Neto Brandão (PS):— Sr. Presidente, Sr.ª Ministra e Sr.ª Secretária de Estado, Sr.as e Srs.
Deputados: O debate de hoje convoca-nos, a todos, para uma reflexão sobre uma das principais ameaças ao
Estado de direito democrático, como seja o terrorismo e, bem assim, o reforço dos mecanismos de defesa com
que, no escrupuloso respeito pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais, o Estado de direito
democrático se deve dotar.
A segurança, sabemo-lo bem, é um garante incontornável da liberdade. Ninguém é verdadeiramente livre se
não se sentir seguro. Portugal é um País seguro e queremos que continue a sê-lo.
Não há, hoje, como ignorar, e se houvesse, seria irresponsabilidade fazê-lo, que vários países, com os quais
partilhamos os mesmos valores culturais, vêm sendo fustigados pela irracionalidade do fenómeno do terrorismo
e alguns deles vivem mesmo, há longos meses, como a França, em estado de emergência, sendo as ameaças
de novos atentados dirigidas à Europa como um todo.
A ideia de que Portugal não deve deixar de acompanhar os mecanismos de defesa adotados pelos demais
países do espaço político-geográfico em que se insere é, assim, a única verdadeiramente consentânea com a
exigência de reforço das nossas defesas e da segurança enquanto obrigação prestacional do Estado. É o caso
da permissão de acesso, dentro de estritos condicionalismos legais e judiciais, aos serviços de informações aos
chamados «dados de tráfego» ou «metadados». Acesso a dados de tráfego, note-se, e nunca, em momento
algum, ao conteúdo das comunicações e mesmo aquele acesso só é admissível no quadro da prevenção da
espionagem e terrorismo.
Uma leitura atomística do texto constitucional que não comportasse a adaptação à nova realidade que o
terrorismo comporta consigo, além de não responder satisfatoriamente à questão da colisão entre diferentes
direitos fundamentais ou entre diferentes valores constitucionais, nem de atentar à diferença de grau entre dados
de tráfego e dados de conteúdo, não deixaria de colocar sobre a Lei Fundamental uma pressão reformadora
que ela, em nosso entender, bem dispensaria.
Vivemos tempos novos, para os quais teremos de ter consciência de que se exigem respostas inovadoras,
eficazes e descomplexadas. A estruturação clássica dos nossos ordenamentos jurídicos, nomeadamente
penais, assentam no pressuposto de que à prática de um crime corresponde uma pena, isto é, de que a
cominação de um mal — no caso, a privação de liberdade durante mais ou menos tempo — logrará dissuadir o
criminoso da sua prática.
Quando, porém, somos confrontados com recorrentes notícias de atentados terroristas, em que ao chocante
desprezo pela vida de terceiros se soma o desprezo dos seus autores pela sua própria vida e, mais do que isso,
quantas vezes, até pela vontade, recompensada num paraíso à espera, de pôr termo à própria vida, fácil é
concluir que a cominação de uma pena, em que assenta todo o nosso processo criminal, se torna, de repente,
inoperativa face à eminência de um atentado e à desproporção do seu resultado danoso.
Existem demasiados exemplos — e todos esses exemplos demasiado dolorosos — que nos comprovam que
a pressão colocada pela comunidade sobre o legislador, em reação à ocorrência desses funestos eventos, traz
consigo o risco de fazer comprimir a defesa dos direitos, liberdades e garantias para patamares
consideravelmente mais cerces do que aqueles que apenas eram alvitrados antes da sua ocorrência.
Deveria, essa dor alheia, servir-nos ao menos de exemplo para nos motivar a proceder, hoje, às alterações
razoáveis, proporcionais e adequadas que se justifiquem e que, a não serem feitas, correrão o risco de serem
amanhã atropeladas pelo frenesim reativo suscitado por um evento que ninguém poderá garantir que não
ocorrerá.
Aliás, a circunstância de essas alterações tardarem a ser feitas, num contexto europeu em que elas já foram
feitas em todos os demais países com que partilhamos a União, só pode concitar o receio de que Portugal possa