I SÉRIE — NÚMERO 104
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Esta realidade agravou-se mais com aquela que ficou conhecida como a «lei do eucalipto», o RJAAR, da
autoria do Governo PSD/CDS, em 2013, que estabeleceu o regime jurídico aplicável às ações de arborização e
rearborização e que liberalizou a plantação de eucaliptos. Da área total de 65 000 ha de arborizações e
rearborizações aprovadas e realizadas até 2016, 41 000 ha correspondem a eucaliptal, o que significa 63%. Ou
seja, a tendência foi para acentuar a presença da monocultura do eucalipto na área florestal portuguesa,
acentuar a expansão desta espécie de crescimento rápido.
Ora, face a esta realidade, Os Verdes, que têm dedicado muita atenção e intervenção, ao longo dos anos,
às questões da floresta, quando discutiram e assinaram com o PS a posição conjunta que estabeleceu
orientações políticas para levar a cabo na presente Legislatura, não poderiam deixar de nela estabelecer a
necessidade de estancar o crescimento da área de eucalipto e de aumentar a área ocupada por espécies
autóctones, valorizando a produtividade do montado de sobro e de azinho. O desafio que Os Verdes lançaram
ao PS foi que acabasse o tempo da construção da floresta em função dos interesses das celuloses para lhe
relançar um valor económico e produtivo mais diversificado e ambientalmente mais seguro.
Mas há quem não consiga deixar de ser o defensor dos grandes interesses económicos, mesmo em
detrimento evidente de valores ambientais e de segurança do território, e se preste ao papel de porta-voz de
grandes grupos da pasta de papel, como a Afocelca, a Altri, a Navigator, a ex-Portucel ou como lhes queiram
chamar. Foi esse o papel que o PSD cumpriu ontem, quando Pedro Passos Coelho desatou a defender o
eucalipto dizendo que é o que menos arde e onde o fogo se apaga com mais facilidade — repito, onde o fogo
se apaga com mais facilidade! Pergunto-me: o que terão pensado os bombeiros, que ano após ano combatem
fogos em infindáveis eucaliptais e que veem aí o fogo a propagar-se como se de um rastilho contínuo se
tratasse? E por que razão falam os investigadores em «árvores-bombeiras», referindo-se aos carvalhos ou aos
sobreiros e não ao eucalipto, como é evidente, para procurar travar a propagação dos fogos? O que gostava de
dizer ao PSD é que me parece que, quando se é cego na defesa de grandes interesses económicos, perde-se
o sentido da realidade e perde-se, por isso, a aptidão para servir o interesse público.
Mas criar resiliência na floresta não passa apenas por intervir sobre a dominância de monoculturas de
espécies dos povoamentos florestais, passa também por uma gestão responsável que promova, por exemplo,
a execução das faixas de gestão de combustíveis, a recolha e o aproveitamento da biomassa e a criação,
identificação e manutenção de pontos de água. São matérias em relação às quais o Estado não pode assumir
uma desresponsabilização, escudando-se por via da realidade da pequena propriedade florestal.
A desresponsabilização do Estado em relação à floresta já nos custou muito caro. A liquidação do corpo de
guardas florestais, que, para além das próprias populações locais, eram os que tinham maior conhecimento do
território florestal e que promoviam a sua vigilância, determinante para a deteção de focos de incêndio, foi talvez
das maiores barbaridades que se cometeram nos últimos anos. Simultaneamente, as equipas de sapadores
florestais são mais do que insuficientes e estão longe, longe, de atingir o número de operacionais prometido.
A esta desresponsabilização do Estado junta-se a responsabilidade de sucessivos governos pelo
despovoamento do mundo rural e, por essa via, pela fragilização do espaço onde a floresta e os matos se
inserem, tornando-o mais vulnerável aos incêndios.
O papel de tampão que as áreas agrícolas protagonizavam em defesa da floresta foi sendo progressivamente
diminuído e eliminado, quando o que resultou da política da União Europeia e de sucessivos governos foi,
nomeadamente, a estagnação da produção agrícola nacional, quer em volume quer em valor, a degradação do
rendimento agrícola para a grande maioria dos agricultores, a perda de perto de 550 000 trabalhadores da
atividade agrícola, a eliminação de cerca de 400 000 explorações agrícolas, a maior dependência alimentar do
exterior. O abandono das áreas agrícolas e de pastagem, decorrente de políticas de desvalorização da produção
nacional, retirou território de intermitência e de proteção da floresta e esvaziou uma boa dose de capacidade de
vigilância da floresta que as próprias populações, naturalmente, realizavam.
Também é importante que aqueles que foram governando este País tenham bem consciência de que, de
cada vez que no interior ou em zonas rurais encerraram um serviço público de proximidade, encerraram uma
escola, uma unidade de saúde, uma esquadra ou um posto de forças de segurança, um posto dos CTT, foi
sempre um contributo que deram para esvaziar mais esse mundo rural e para lhe ditar uma sentença de
abandono.
Muito do que se vendeu como uma poupança no País, invocando-se os défices, os tratados orçamentais e
os pactos de estabilidade, foi afinal a fragilização do nosso território e do nosso património, que nos custa bem