I SÉRIE — NÚMERO 104
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No plano puramente político, não posso deixar de manifestar, igualmente, a minha mais profunda
perplexidade com o argumento segundo o qual a aprovação de legislação interditando as corridas de touros
mais não seria do que a promoção da intolerância, por traduzir uma manifestação inaceitável de um
proibicionismo absolutista! Mas, então, a função do Parlamento não se traduz precisamente, em larga medida,
no exercício do poder legislativo, traduzido na edição de normas jurídicas, umas de natureza imperativa, outras
de índole permissiva e outras ainda de cariz proibitivo?! E não é precisamente a esta última categoria que se
deve recorrer, quando a adequada valoração dos interesses em presença exige que se vede o recurso a práticas
e/ou comportamentos que ponham em causa aqueles interesses que, por representarem um valor superior,
importa proteger?!
Aceitar o inaceitável, permitir o que não deve ser permitido e tolerar o que é intolerável é que constitui uma
demissão, mais do que da autoridade do Estado, da obrigação que sobre este impende (e sobre os seus órgãos
e agentes) de contribuir para a criação de uma sociedade mais evoluída, mais justa e mais humana.
A tudo quanto fica dito acresce a contradição insanável que se gera entre a atitude que o Parlamento agora
assumiu e aquela que adotou, nesta mesma legislatura, ao aprovar a Lei n.º 8/2017, de 3 de março, que deu
corpo ao novo estatuto jurídico dos animais, definindo-os como seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de
proteção jurídica (artigo 201.º-B do Código Civil), de algum modo dando lugar a uma espécie de tertium genus
jurídico entre as categorias tradicionais das pessoas e das coisas.
Face à argumentação expendida, poder-se-ia legitimamente inquirir porque é que optei pela abstenção,
quando, em coerência com as convicções antes expressas, deveria aparentemente ter votado a favor da
iniciativa legislativa do PAN.
A primeira razão, a que muitos poderão atribuir relevância menor, mas que é para mim central, reveste
natureza política. Sou Deputado desde outubro de 1999 e, nestes dezanove anos, nunca votei em sentido
contrário à orientação definida pelos órgãos competentes do meu partido — fosse pela direção política nacional,
fosse pelo próprio grupo parlamentar. Naturalmente, já por várias vezes me não revi nessas orientações. Mas,
quando tal aconteceu, optei por, fosse pela abstenção (como aconteceu com a lei do aborto), fosse pela
apresentação de uma declaração de voto (como sucedeu com a aprovação do Regimento da Assembleia da
República, que inclusive me tinha cabido pessoalmente negociar em nome do PSD), manifestar os motivos da
minha discordância.
Tenho para mim que a pertença, inteiramente voluntária, a uma instituição (neste caso partidária) implica um
conjunto vasto de obrigações, insisto, livremente aceites, a primeira das quais é a solidariedade para com o
próprio partido e o respeito pelas decisões de quem tem estatutariamente o direito de as adotar. No dia em que
me sentir violentado por aquilo que o partido me quiser impor, tranquilamente sairei. Até lá, permanecerei fiel a
esta postura.
Há quem, por vezes, gira o seu comportamento, na política e até enquanto Deputado, numa lógica
essencialmente pessoal, porventura procurando projeção e publicidade, indiferente às consequências negativas
que as suas atitudes têm relativamente ao partido pelo qual foi eleito. Comigo nunca foi, nem nunca será, assim.
Porque a única coisa que sempre me motivou (e continua a motivar) na atividade política é servir o meu País e
fazê-lo, antes do mais, contribuindo, com as qualidades que possa ter, para o reforço do Partido a que,
orgulhosamente, pertenço.
No caso da iniciativa legislativa aqui em causa, o PSD decidiu, erradamente, a meu ver, optar pelo voto
contra e, adicionalmente, impor disciplina de voto. Solicitei — e foi-me concedida autorização — para ser dela
dispensado. Mas, em coerência com quanto acima disse, entendi que não deveria ir contra aquilo que o PSD
entendeu ser a posição politicamente mais adequada. Daí, desde logo, a minha abstenção.
A segunda razão tem que ver com o próprio teor da iniciativa legislativa. Basicamente o seu texto limitava-se
a proibir, sem mais, a partir da data da sua entrada em vigor, as corridas de touros. Ora, infelizmente, elas
existem. Têm público (embora, felizmente, cada vez menos). E representam, igualmente, uma atividade
económica, a que estão ligadas, direta ou indiretamente, muitas pessoas.
Nessa medida, tenho a convicção de que uma solução simplista, como a que se pretendia implementar, não
só não resolvia o problema, como seria propícia a agravá-lo, desde logo porque geradora de uma lógica de
vitimização que poderia facilmente ser aproveitada em seu desfavor. Além disso, não se combate um problema
gerando outros. Pelo contrário, um Estado responsável, ao definir um determinado regime jurídico, deve sempre
ter o cuidado de criar soluções para a nova realidade que assim estabelece. E é essa preocupação central que