I SÉRIE — NÚMERO 90
36
E são aqueles — imagine-se! — cujo verbo escorreito e a retórica rotunda ecoa tantas vezes nesta Câmara
a favor do Serviço Nacional de Saúde que assumem o paradoxal, embora não inesperado, papel de o
conduzirem a uma crise sem precedentes, a um clima de quase guerra civil, em que os episódios grotescos de
falta de assistência se amontoam, deixam de ser a exceção e se transformam tristemente na regra.
Esta falência penaliza sempre os mais pobres, os mais frágeis, os mais idosos. De que serve alguém auferir
mais 10 € ou 15 € por mês quando o seu bem mais precioso, a saúde, é posto de lado por uma consulta que,
em muitos casos, demasiados casos, demora um ano ou mais a ter lugar? Ou uma cirurgia que não respeite os
tempos máximos garantidos? O que se paga em forma de sofrimento e em vidas, num quadro que todos os dias
se repete e agrava, a todos repugna, mas cuja repetição incessante o torna num novo normal. E esses, os mais
frágeis, os mais pobres, não podem acorrer ao privado, não se podem salvar do dilúvio e, em silêncio, são
espoliados dos seus direitos, vilipendiados na sua dignidade, derrotados na sua luta, sem sequer poderem
combater por si ou pelos seus.
Que dignidade humana resiste, que esboço de humanidade se perpetua quando, no Algarve, doentes com
cancro já diagnosticado aguardam intermináveis meses para que o Estado liberte uns míseros 200 € para
poderem obter os resultados das análises que fizeram e poderem iniciar o tratamento, enquanto a doença
implacável se espalha, indiferente às mais cruéis burocracias, à falta de bom-senso e ao crime que é abandonar
as pessoas deste modo?
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
A Sr.ª Jamila Madeira (PS): — Isso é falso!
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Que dignidade humana resiste quando, já prostrados, os responsáveis
reconhecem que durante meses o equipamento de radioterapia do Hospital de São João se avariava quase
diariamente, seguramente adiando milhares de tratamentos e diminuindo a esperança de vida desses doentes?
Ou quando nas farmácias dos hospitais os medicamentos para doentes crónicos entram em rutura e o IPO, um
pilar do SNS, soçobra perante a falta de investimento e a incapacidade de resposta?
Este é o retrato fiel, porém sinistro, da cruel desumanização do SNS, que arrasta famílias inteiras para gritos
de desespero e dor por não poderem dar aos seus um tratamento condigno.
O Sr. António Sales (PS): — Chegou quatro anos atrasado!
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — Quando atua como tem vindo a atuar, o Estado, por vezes, consegue ser
quase tão impiedoso quanto a doença.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, quem o diz não é o PSD, é o Tribunal de Contas, quando denuncia a
degradação do acesso dos doentes às consultas e cirurgias, é a Entidade Reguladora da Saúde, que ainda este
mês divulgou um relatório no qual conclui que os tempos de espera para consultas e cirurgias no SNS não
pararam de aumentar.
A ideologia vence a realidade aqui dentro, mas perde lá fora…
Aplausos do PSD.
Protestos do PS.
O Sr. Cristóvão Norte (PSD): — … porque a realidade aqui dentro é uma discussão com logros e enganos,
cartas e encenações sobre os princípios do SNS, em que as forças políticas que dão suporte ao Governo se
entretêm para que não tenham que dizer nada sobre o que se passa lá fora.
Lá fora é a vida real, não interessa se público ou privado, interessa é servir, curar, resolver, progredir, colocar
o doente no centro das decisões, tudo o que o Governo e essa maioria não têm feito!
Aplausos do PSD.