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19 DE FEVEREIRO DE 2021

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bonomia que nos produz há séculos, um ser e não ser que sempre concebeu o nosso profundo atraso, uma

marca histórica que não nos abriu ao risco e ao radicalismo que provoca o progresso.

No meio disto tudo só sobrou a nossa aceitação do espaço europeu, opção que rejeitamos em sete séculos

por implicação da vizinhança espanhola ou por tutela inglesa. Virá o dia em que começaremos a questionar

também a Europa, influenciados pela saudade endogénica.

Não conseguimos entender a forma natural como foi encarada, pelos democratas, a eleição, em 2007, de

Salazar como «o maior português de sempre», fazendo com que Afonso Henriques ou Camões se quedassem

em lugar menor. Quando um país esquece tão rápido o seu passado, quando se nega na realidade da pobreza,

do obscurantismo, da mínima existência cidadã, esse país precisa, urgentemente, de se olhar ao espelho.

Os regimes totalitários constroem uma história privativa. Em Portugal, o salazarismo foi muito eficaz nessa

construção, garantindo, até hoje, a perenidade dos mitos do desígnio, dos descobrimentos ou do império. Esta

trilogia programática tarda em ser abalada, em se colocar perante o julgamento indispensável de um povo que

se quedou amedrontado.

Neste último ano, assistimos a quatro tempos de retorno ao salazarismo mental português. O primeiro foi o

da criação de um museu na terra natal do ditador, que, mesmo que a Universidade de Coimbra inventasse uma

qualquer bondosa construção museológica, seria sempre um templo de romagem, de saudade, de permanente

elogio do «botas». Os países democráticos fazem a leitura histórica nos bancos da escola, aportam novas visões

históricas que não sejam anacrónicas na interpretação ética que sempre importa. Todos os países que sofreram

pelas longas ou intensas ditaduras fizeram o seu luto, fazem ainda o seu luto como acontece em Espanha, mas

em Portugal o luto nunca existiu.

O segundo tempo foi o da opção sugerida por largas franjas da política e da opinião publicada de uma outra

presença, mesmo intrusiva, de Portugal na situação de «guerra» que se vive em Cabo Delgado, Moçambique.

Este espírito advém do facto de nunca termos aceitado plenamente a emancipação dos povos, de existir uma

hoste muito significativa de portugueses que continua a achar que os africanos prefeririam a chibata portuguesa

à fome dos dias de hoje. Recuando no tempo da nossa existência e por analogia, poderíamos ter um povo

português que preferiria a dependência da dinastia dos Filipes à Restauração, tudo porque as décadas

seguintes, de guerras e fome até à chegada do ouro do Brasil, foram verdadeiramente terríveis.

O terceiro tempo tem um enquadramento mais grave e que não pode deixar de ser avaliado politicamente. A

Nova Portugalidade é o mais fascista dos movimentos subversivos da nossa democracia atual, muito mais

radical que o Chega, muito mais preocupante, sob o ponto de vista ideológico que qualquer outro movimento de

skinheads. A petição da Nova Portugalidade a propósito de uns florões de mau gosto colocados numa praça a

que ainda chamam de império, teve o apoio de dois antigos Presidentes da República e deu-lhe credibilidade.

É um facto grave, nenhum dos dois Presidentes pode desconhecer o caminho do grupo neofascista da Nova

Portugalidade e também não pode desconhecer que os seus gestos têm um valor político muito significativo.

Os florões são, como bem demonstra Francisco Bethencourt em a História da Expansão Portuguesa, uma

invenção tardia semelhante ao mamarracho dos Padrão dos Descobrimentos, são a eleição da tal história

privativa que o Estado Novo fabricou, não têm qualquer sentido no tempo de hoje por não serem elemento

arquitetónico relevante, por não caberem na construção de uma cidade que se quer inovadora e aberta a todas

as sociedades e origens. Mesmo o Padrão, num país respeitável, devia ter sido destruído.

Vejo pelo buraco estreito da fechadura uma próxima petição neofascista para o derrube do memorial do

Largo de S. Domingos em Lisboa que elege a paz, exigência mimética dos franquistas madrilenos na proposta

recente de eliminação de um mural que elegia a igualdade.

O quarto e último tempo é o que acompanha hoje a morte de Marcelino da Mata. Quantos soldados africanos

combateram ao lado das tropas portuguesas pela defesa de um império inconcebível? O que fizemos a esses

milhares? Como os acompanhamos e lhes garantimos sustento? Portugal quase esqueceu todos eles, mas

salvou Mata como normalizou Kaúlza de Arriaga.

As insígnias militares nos regimes totalitários não são atribuídas por atos de bravura e de coragem, são

atribuídas por atos de excesso, por denegação de humanidade. O que aconteceu com Mata foi exatamente isso

mesmo, o regime fascista e os fascistas que perduraram na democracia abrilista construíram um mito a partir

de um títere, aplicaram bem o pensamento de Désiré Roustan quando afirma que a evocação do passado pelos

inimigos da História é sempre 99% de construção e 1% de evocação verdadeira.

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