I SÉRIE — NÚMERO 69
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Relativa ao texto de substituição, apresentado pela Comissão de Administração Pública, Modernização
Administrativa, Descentralização e Poder Local, sobre a Proposta de Lei n.º 68/XIV/2.ª e o Projeto de Lei n.º
640/XIV/2.ª [votado na reunião plenária de 14 de maio de 2021 — DAR I Série n.º 66 (2021-05-15)]:
As freguesias são um espaço fundamental de afirmação de identidade coletiva, de representação política e
de debate democrático. Nestes 47 anos de democracia local, tiveram sempre um papel determinante na
consolidação da vivência coletiva no território de afinidades, como relação de pertença e de identidade
intergeracional.
Esta salutar relação de convivência democrática e de pluralidade de representação política como espaço de
interligação pela defesa de objetivos comuns foi fortemente delapidada, para mais de um milhar de freguesias,
com a aplicação da famigerada Lei n.º 11-A/2013.
Para além da perda de governação de proximidade direta na promoção da coesão territorial, foi gerada uma
legítima incompreensão pela imposição por decreto de tais deliberações, diminuindo substancialmente a
participação cívica e a falta de motivação para o trabalho coletivo da comunidade.
É este restauro democrático, este dever social, que importava ter sido devidamente salvaguardado na
Proposta de Lei nº 68/XIV/2.ª, agora aprovada. É que, se por um lado, esta proposta tem por objetivo reparar o
vazio legal decorrente da falta de legislação que suporte a criação de novas freguesias, por outro, a
apresentação e debate de propostas é motivada pela manifestação de vontade de várias populações do País,
que nos últimos oito anos sempre deram conta da sua insatisfação com as uniões de freguesia a que
impositivamente passaram a pertencer. Evidenciaram a pretensão de recuperar a sua freguesia por diferentes
meios e instrumentos — moções aprovadas em AF (assembleia de freguesia) e AM (assembleia municipal);
abaixo-assinados subscritos por largas percentagens das populações afetadas; exposição de motivos
identitários de ordem social, cultural, patrimonial e até funcional, enviados para os grupos parlamentares da AR
(Assembleia da República) e comissão permanente com competência da matéria.
Foi com esta dupla visão de objetivos que o Bloco de Esquerda apresentou o seu projeto de lei e esteve
presente no debate da especialidade em sede de comissão, inclusive apresentando propostas de alteração à
proposta de lei que serviu de base à discussão. Tivemos abertura ao diálogo e contribuímos ativamente para o
consenso de posições.
Sempre nos batemos por produzir uma lei que, dando resposta prática ao pretendido, não abdique de valores
e princípios que sustentam a nossa visão política.
Para o BE, as alterações processuais a introduzir não podem, nunca, pôr em causa o direito ao exercício da
cidadania. Num tempo em que os cidadãos se sentem mais distantes do poder político e em que o reforço dos
meios diretos de auscultação pública podem ser um contributo decisivo para alterar esse estado de situação,
têm os partidos políticos a obrigação de saber corresponder a tais anseios reforçando a qualidade da nossa
democracia com a introdução de mecanismos de efetivo estímulo à participação popular.
Assim, defendemos a introdução da alínea b) no ponto 1 do artigo 10.º pelo facto de permitir que iniciativas
cidadãs possam despoletar o processo de criação e/ou recuperação de freguesias. Pela mesma razão e pelo
mesmo princípio, somos contrários à não introdução de um novo artigo (11.º-A) por nós apresentado, no qual
se consagra o direito à aferição da vontade política para a criação da freguesia pela população, através de
referendos locais de natureza consultiva.
Este é um dos exemplos, entre outros, que sustentam a nossa posição de voto — abstenção — na votação
final global da proposta em apreço.
Se consideramos que, em resultado do debate na especialidade, a proposta de lei foi substancialmente
melhorada ao alterar a composição e redação de muitos dos pontos e artigos, também consideramos que ficou
aquém do pretendido pela proposta de projeto de lei do BE, bem como das propostas de alteração ao texto-
base por nós apresentadas.
Assembleia da República, 20 de maio de 2021.
As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda.
[Recebida na Divisão de Redação em 20 de maio de 2021].