I SÉRIE — NÚMERO 82
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impunidade minam os fundamentos básicos e a credibilidade do Estado de direito democrático, abrindo o
caminho a falsas generalizações e a demagogos que tudo fazem para associar a corrupção à democracia,
pregando uma falsa moral que se desmentiria a si própria no dia em que chegassem ao poder.
Poucos meses após esse debate, o PCP apresentou, pela primeira vez, nesta Assembleia, em 15 de fevereiro
de 2007, o Projeto de Lei n.º 360/X/2.ª para a criminalização do enriquecimento ilícito, rejeitado, então, com os
votos contra do PS e do PSD. O chamado «pacote sobre a corrupção» então aprovado, apesar dos 14 projetos
de lei apresentados, não passou de uma oportunidade perdida. Em abril de 2009, o PCP insistiu com o projeto
726/X/4.ª, a que se juntou o projeto 747/X/4.ª, do PSD, aquele que, anteontem, o Sr. Deputado Carlos Peixoto
dizia ter sido o primeiro. A maioria absoluta do PS rejeitou ambos os projetos. No final de 2009, o PCP e o BE
insistiram em iniciativas sobre esta matéria, rejeitadas, então, pela conjugação de votos do PS e do CDS.
Só em julho de 2010, a Assembleia da República aprovou um pacote legislativo relevante em matéria de
combate à corrupção, na sequência de um sério trabalho de estudo, de debate, de auscultação e de acolhimento
de opiniões das personalidades mais reputadas no domínio do combate à corrupção e à criminalidade
económica e financeira.
O Sr. José Luís Ferreira (PEV): — Bem lembrado!
O Sr. António Filipe (PCP): — Foi nessa altura aprovada a importante Resolução n.º 91/2010, que recomendou ao Governo a tomada de medidas destinadas ao reforço da prevenção e do combate à corrupção,
em grande parte ainda por cumprir, e teve lugar um aperfeiçoamento legislativo relevante, designadamente com
a criação do tipo de crime de recebimento indevido de vantagem, que nos permite dizer que o maior problema
do combate à corrupção em Portugal já não é a falta de leis, mas, acima de tudo, a falta de meios e as
disfuncionalidades em aspetos relevantes do funcionamento da justiça que importa evidentemente corrigir.
A questão do enriquecimento ilícito, ou injustificado, ficou, no entanto, por legislar, apesar das iniciativas do
PCP, do BE e do PSD. Na XII Legislatura, como se sabe, o texto aprovado, com base na iniciativa do PSD e do
CDS, e que o PCP votou favoravelmente, foi declarado inconstitucional. O PSD e o CDS não aceitaram expurgar
as inconstitucionalidades e, em 2015, rejeitando iniciativas do PCP e do BE, que procuravam resolver esses
problemas, decidiram aprovar um texto, deliberada e grosseiramente inconstitucional, levando a nova
declaração de inconstitucionalidade, inteiramente desejada pelos proponentes. Foi contra essa fraude que o
PCP votou.
Ao contrário do que o Sr. Deputado Carlos Peixoto aqui afirmou anteontem, o voto contrário do PCP não teve
nada que ver com geringonças nem com meias geringonças, pela simples razão de que, em março de 2015, o
PSD e o CDS ainda estavam no Governo e só cairiam nas eleições de outubro.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — O PCP recusou-se a pactuar com uma fraude: fingir que pretendia criminalizar-se o enriquecimento ilícito, quando se pretendia tão simplesmente forçar uma declaração de
inconstitucionalidade. Essa foi uma fraude um tanto semelhante àquela a que aqui assistimos anteontem, só
que desta vez em modo mais grotesco e histriónico.
Neste processo legislativo, o PCP reafirma a sua convicção de que a criação de um tipo criminal de
enriquecimento injustificado poderá ser um elemento de grande importância para a prevenção e deteção de
crimes de corrupção e que é possível encontrar uma solução que não seja violadora de princípios e de normas
constitucionais. Estamos, neste debate, de espírito aberto, com a nossa proposta, mas com abertura suficiente
para acolher outras soluções que possam constituir um avanço no sentido que consideramos necessário.
Há, porém, uma outra questão que não pode ficar na sombra quando se debate a corrupção, que é o enorme
escândalo que constitui o recurso à arbitragem, sobretudo à arbitragem ad hoc, quando se trata de dirimir litígios
contratuais de muitos milhões de euros, envolvendo o Estado e interesses privados. Não é tolerável que litígios
emergentes de parcerias público-privadas ou de contratos públicos envolvendo quantias milionárias em que os
interesses dos privados são cuidadosamente acautelados sejam decididos por árbitros que não se sabe quem
são, nem com que critério são nomeados, nem quanto ganham, nem que interesses defendem nas suas
atividades profissionais, através de decisões cujos fundamentos nem são sequer conhecidos.