26 DE JUNHO DE 2021
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O Sr. João Oliveira (PCP): — Exatamente!
O Sr. António Filipe (PCP): — A única coisa que se sabe é que o Estado, ou seja, os contribuintes e o interesse público, ficam sempre a perder e são condenados em vultuosas indemnizações aos grupos
económicos privados envolvidos, por decisões de que nem sequer cabe recurso para os únicos tribunais que
são dignos desse nome.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito mais haveria a dizer sobre as várias iniciativas hoje em discussão.
Sobre as do Governo, importa dizer que acolhemos favoravelmente algumas propostas, mas que temos reservas
muito sérias quanto a outras, nomeadamente as que dizem respeito à introdução de mecanismos de negociação
em processo penal, em prejuízo da aplicação de um princípio basilar do Estado de direito, que é o princípio da
legalidade.
Estamos, neste debate, com espírito aberto e construtivo: sem demagogias, sem cedência a populismos
justiceiros e sem alinhar na gritaria de que Portugal é um país de corruptos. A corrupção deve ser combatida na
base dos factos e não na base de perceções fabricadas nas redes sociais, do sensacionalismo mediático que
as reproduz ou de uma ação política preocupada com a espuma dos dias. As leis criminais são demasiado sérias
para serem transformadas em folhetos de propaganda de quem pretende transformar o discurso sobre a justiça
em venda de banha da cobra. Para isso, não contam com o PCP, mas para debater, com seriedade, melhores
soluções para prevenir e combater a corrupção e a criminalidade económica e financeira decerto poderão contar
com o PCP — hoje como sempre.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para apresentar o projeto do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado José Manuel Pureza.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.as e Srs. Deputados: Uma estratégia contra a corrupção, para ser levada a sério, tem de colocar no seu centro a deteção de acréscimos
patrimoniais sem justificação aparente. Criminalizar o enriquecimento injustificado é um elemento imprescindível
deste combate.
Há um caminho feito em Portugal e o pior que poderíamos fazer, aqui, e agora, seria ignorá-lo e não aprender
as lições que ele nos ensinou. Sublinharei duas dessas lições mais importantes.
A primeira é a de que este não pode ser um instrumento contra a ordem constitucional e que este combate
só será ganho se o fizermos com o apoio da Constituição da República. O Tribunal Constitucional, por duas
vezes, foi chamado a pronunciar-se sobre projetos de criminalização do enriquecimento ilícito e fez o que tinha
de fazer: afirmou o primado indestrutível da presunção de inocência e exigiu a definição de um bem jurídico de
valor superior que legitime ajustamentos adequados daquela presunção em casos muito especiais. É nesse
campo que qualquer projeto sério tem, pois, de se situar. Quem quer, a sério, criminalizar o enriquecimento
injustificado não faz meros exercícios de retórica inflamada e, sobretudo, não apresenta projetos que sabe
estarem votados a não passar de meros projetos e a nunca se tornarem lei.
A segunda lição é a de que, neste caminho, houve sempre forças que guardaram para os detalhes a sua
vontade de esvaziar de alcance efetivo as proclamações de princípio a favor da criminalização. Isso aconteceu
diversas vezes no passado e volta a acontecer agora, de novo. Os projetos que estipulam a obrigatoriedade de
notificação prévia, para que possa haver um crime de ocultação de riqueza, tiram por essa janela o que entrou
pela porta da criminalização. Quem os apresenta sabe bem que, como é óbvio, face a dinheiro escondido, nunca
haverá notificação e, portanto, nunca haverá crime.
O Bloco de Esquerda desde sempre esteve empenhado numa criminalização do enriquecimento injustificado
que não viole a Constituição e que permita ganhos efetivos de capacidade de atuação dos órgãos de
investigação criminal, na garantia do primado da transparência e no combate à corrupção.
O essencial do projeto do Bloco de Esquerda que hoje aqui apresento enuncia-se facilmente. O Bloco de
Esquerda propõe que a lei das obrigações declarativas de 2019 passe a consagrar, a par do dever de declaração
de rendimentos e ativos patrimoniais, um dever de justificação dos incrementos patrimoniais especialmente