7 DE OUTUBRO DE 2021
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chamadas bodycams ou câmaras portáteis de uso individual, que elas deveriam ser utilizadas em situações
tipificadas e que se o agente o não fizesse nessas situações seria sujeito a processo disciplinar.
Sr. Secretário de Estado, mas isso não está aqui em lado nenhum! Lemos a disposição relativa a essa
utilização e aquilo que vemos não é exatamente isso. O que vemos é que há uma margem de discricionariedade
significativa e alguns aspetos difíceis de compreender relativamente à sua utilização, o que teria de ser
clarificado.
Portanto, há alguns aspetos que, obviamente, se esta proposta passar à especialidade, como parece que
passará…
O Sr. Presidente: — Peço-lhe para concluir, Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Concluirei, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, se esta proposta passar à especialidade, como parece que passará, porque o PSD já
referiu que será viabilizada na generalidade, haverá, obviamente, muito trabalho a fazer, e participaremos nesse
trabalho, mas o nosso juízo, na generalidade, sobre esta proposta de lei é o de que ela é manifestamente
excessiva quanto à hipervideovigilância sobre a sociedade.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda,
o Sr. Deputado José Manuel Pureza.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O
debate sobre a videovigilância é um debate sobre liberdades e sobre o imperativo da proporcionalidade dos
limites a essas liberdades, é um debate sobre a fronteira absolutamente essencial entre o Estado das liberdades
e o Estado policial.
No Bloco de Esquerda, não alimentamos qualquer ambiguidade sobre esta matéria: se um cidadão agride
um agente de uma qualquer força de segurança, trata-se de um crime previsto na lei, deve ser julgado e punido;
e se um agente de uma qualquer força de segurança abusa da força que o Estado lhe confere para agredir um
cidadão, trata-se de um crime particularmente grave que não pode ficar impune.
Há poucos dias foi conhecida a acusação do Ministério Público sobre a brutalidade policial ocorrida na
Amadora, em janeiro do ano passado, que deixou Cláudia Simões desfigurada. O relato é avassalador. Diz o
Ministério Público que, enquanto desferia socos e pontapés na cara de Cláudia Simões, o agente policial lhe
chamava preta e macaca. E, porque não alimentamos qualquer ambiguidade, temos a clareza de afirmar que
situações como esta são absolutamente intoleráveis num Estado de direito. Num País que se respeita, todas as
pessoas, independentemente da sua condição ou da sua cor de pele, devem poder confiar em quem veste uma
farda de polícia. Face a situações indignas e inaceitáveis como esta, não é concebível a seletividade da extrema-
direita, e de alguma direita que com ela se confunde, sempre tão ruidosa a exacerbar atos individuais, mas
quase sempre remetida ao silêncio quando se trata de enfrentar o problema da violência policial.
Há duas formas de não resolver o problema da violência policial: uma é o silêncio, a outra é um ruído tal que
torna impossível ouvir o que quer que seja. E, sendo certo que o silêncio é cúmplice, transformar um problema
sério numa espécie de reality show em nada contribui para acabar com a violência policial.
Sr.as e Srs. Deputados: Erram os que partem para este debate com a tese meio ingénua, meio cínica de que
a tecnologia é politicamente neutra. Não é! A videovigilância, seja com suporte fixo, seja, sobretudo, com
bodycams, é um meio de visibilizar e de invisibilizar, é um meio que, por isso, não dispensa interpretações nem
previne enviesamentos determinados por pré-juízos.
Há muito que, nas ciências da comunicação, está consolidada a noção de camera perspective bias, ou seja,
quando vemos um vídeo que mostra uma realidade vista pelos olhos de quem filma, tendemos a adotar uma
interpretação do que é mostrado favorável a essa pessoa. Enviesamento, portanto, que se junta a outros
enviesamentos de raça, de género, de posicionamento social ou cultural.
O que a webcam do agente policial mostra não é a realidade, é somente a realidade que foi filmada, tão
limitada e tão descontextualizada como outra qualquer visão parcelar da realidade.