21 DE OUTUBRO DE 2021
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depois da conceção e antes do nascimento da criança. Estas são infelicidades que lamentamos, mas das quais
não se pode fugir.
Já provocar a conceção de uma criança cujo pai já faleceu, mesmo existindo um consentimento escrito — e,
agora, por videograma, ou por declaração sob compromisso de honra do médico que acompanha o processo —
e um projeto parental pré-definido, é uma opção, que, a nosso ver, coloca o desejo da mulher sempre à frente
do superior interesse da criança que vier a nascer.
Fundamentamos a nossa posição em pareceres científicos, técnicos e jurídicos, que são do conhecimento
de todos, e que avalizam esta nossa opinião.
O Prof. Dr. Michel Renaud não considera ética a inseminação post mortem e o motivo principal é o de que
os interesses do nascituro não parecem ser suficientemente respeitados pelo facto de se programar um nascituro
sem pai vivo.
Também o Prof. Dr. Walter Osswald diz que o recurso a técnicas de PMA para a obtenção de gravidez após
a morte do marido ou companheiro de mulher sobrevivente não encontra fundamentação ética suficiente para
que possa ser acolhido na sociedade e enquadrado na legislação.
A própria Ordem dos Médicos vem referir que é sempre posto para segundo plano o superior interesse da
criança a nascer. Vai também no mesmo sentido o entendimento do Conselho Nacional de Ética para as
Ciências da Vida.
Para terminar, além das questões éticas, há ainda um conjunto de outras questões, as jurídicas, que, no
entender do CDS-PP, não ficaram devidamente acauteladas neste texto final. Desde logo, quando no n.º 3 do
artigo 23.º, referente à paternidade, se mantém a redação do atual n.º 2, que determina que «Cessa o disposto
no número anterior se, à data da inseminação, a mulher tiver contraído casamento ou viver há, pelo menos, dois
anos em união de facto com homem que, nos termos do artigo 14.º, dê o seu consentimento a tal ato, caso em
que se aplica o disposto no n.º 3 do artigo 1839.º do Código Civil.»
Salvo melhor entendimento, ao CDS parece paradoxal que, tendo havido um projeto parental com o pai
falecido, para o qual este deu o seu consentimento escrito, a criança que vier a nascer dessa inseminação post
mortem venha a ser tida como filha de outro homem com quem a mulher reconstruiu a sua vida.
Nos termos do acima exposto, o CDS entendeu votar contra esta iniciativa legislativa sem, no entanto, deixar
de manifestar um profundo respeito para com o sofrimento de todas as mulheres que vivem esta tragédia da
morte do marido ou companheiro e, em consequência, vejam anulada a constituição de família que, em conjunto,
tinham projetado.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Sandra Pereira, do Grupo Parlamentar do PSD.
A Sr.ª Sandra Pereira (PSD): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Há precisamente um ano estávamos aqui a discutir, na generalidade, os projetos de lei que deram origem a este decreto que, hoje, estamos a apreciar
em consequência do veto do Sr. Presidente da República.
Na altura, dissemos que a reflexão que se impunha fazer não se deveria centrar, exclusivamente, nos direitos
das mulheres a prosseguirem estes projetos parentais ⎯ também, mas não só. Deveria haver uma visão
integrada dos direitos das mulheres, também, mas, sobretudo, dos direitos da criança, tendo em conta o superior
interesse das crianças, o direito a nascerem com pai e com mãe, que é um direito que tem cobertura legal.
A reflexão que importava fazer e sobre a qual se impunha uma séria análise era precisamente esta: têm ou
não estas crianças o direito a nascerem com pai e com mãe? Sr.as e Srs. Deputados, queremos mesmo dar esse
salto e passar a permitir o nascimento de uma criança filha de um pai já falecido?
Sr.as e Srs. Deputados, é certo que todas as crianças têm direito a ter pai — o pai que a lei preconiza como
tal — e que a paternidade não se confunde nem pode confundir-se com a mera dádiva de material genético.
Portanto, não venha dizer-se que a solução que este decreto apresenta já decorria da lei pelo facto de as
mulheres poderem recorrer a material genético de dador anónimo. Não, não é assim, porque o espírito da lei
quis distinguir claramente este mero dador de material genético de um pai e não quis a lei deliberadamente tratar
o dador de material genético como um pai e não o fez.
O dador, nos termos da lei, é apenas uma célula biológica instrumental à conceção, mas um pai, Sr.as e Srs.
Deputados, é outra coisa: um pai é alguém que aporta história, que lhe dá nome e que atribui direitos patrimoniais