21 DE OUTUBRO DE 2021
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precisamente, da necessidade de acautelar as formalidades e procedimentos que incidem sobre as restrições
aos direitos fundamentais, nos casos expressamente previstos na lei, como é o caso da investigação criminal.
Por se tratar de direitos, liberdades e garantias, essas compressões têm de obedecer às exigências
constitucionais da necessidade e da proporcionalidade e à prevalência do interesse preponderante.
Na nova redação que o artigo 17.º da Lei do Cibercrime passaria a ter, essa competência, hoje exclusiva do
juiz, passaria a ser dividida com o Ministério Público e com os órgãos de polícia criminal, sem prévia autorização
judicial.
Ora, numa sociedade em que os sistemas informáticos têm, cada vez mais, um papel preponderante na vida
dos cidadãos, constituindo autênticos bancos de informação de natureza pessoal e profissional, é evidente que
a visualização do seu conteúdo constitui uma invasão da vida privada, a impor as maiores cautelas no seu
acesso.
A análise indiscriminada de mensagens de correio eletrónico permite identificar com nitidez o perfil do seu
utilizador, e até de terceiros intervenientes, constituindo uma intolerável intromissão e devassa da vida privada.
Atendendo ao conflito de interesses entre a investigação criminal, por um lado, e a proteção dos direitos
fundamentais, por outro, designadamente a proteção constitucional reforçada atribuída à correspondência,
telecomunicações ou outros meios de comunicação privada, que decorre do artigo 34.º, n.os 1 e 4, da
Constituição, o PSD não votou favoravelmente esta norma, tendo requerido a sua votação em separado, em
sede de trabalhos na especialidade, suscitando sérias dúvidas sobre a sua conformidade constitucional.
E o PSD só não chegou a requerer a fiscalização sucessiva da constitucionalidade, como era a sua intenção,
devido à prudente e previdente antecipação do pedido de fiscalização preventiva por parte do nosso Presidente
da República, que muito bem andou. E em acórdão subscrito por unanimidade, não obstante a declaração de
voto ali incluída, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade das normas que alteram o
artigo 17.º da Lei do Cibercrime, por violação dos direitos fundamentais à inviolabilidade da correspondência e
das comunicações e à proteção dos dados pessoais, no âmbito da utilização da informática, enquanto corolários
do direito à reserva da vida privada e familiar, tudo em conjugação com o princípio da proporcionalidade e com
as garantias de defesa em processo criminal.
Perfilhando este entendimento, o PSD já apresentou uma proposta de alteração ao diploma, a expurgar na
íntegra esta norma julgada inconstitucional. Parece que temos aqui o consenso necessário para, agora, em sede
da Casa da democracia, expurgar e eliminar uma excrescência que não é necessária.
Aplausos do PSD.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Está basicamente tudo dito. O Tribunal Constitucional julgou contrária ao texto constitucional uma norma que admite
a apreensão de correio eletrónico no decurso de uma pesquisa policial devidamente legitimada por um juiz.
A interpretação do Tribunal Constitucional está longe de ser uma interpretação linear e consensual. A prova
está, como já foi aqui referido, em que os pareceres do Conselho Superior da Magistratura e do Conselho
Superior do Ministério Público, que, enfim, naturalmente, teriam levantado a questão, era de esperar que isso
acontecesse, não o fizeram e, portanto, isso mostra que, realmente, esta questão da inconstitucionalidade é
uma questão, no mínimo, controversa.
É que, na verdade, aquilo que está em causa não é uma apreensão de correspondência idêntica àquela que
é proibida taxativamente — e bem! —, quer do ponto de vista constitucional, quer pelo Código de Processo
Penal. Trata-se de uma apreensão de natureza diferente. É uma apreensão, volto a dizer, que se verifica no
decurso de uma operação devidamente legitimada pelos órgãos próprios para esse efeito. E mais ainda: de
acordo com aquilo que estava previsto no diploma agora em reapreciação, haveria um juiz que determinaria se
os elementos adicionais apreendidos fariam parte do processo, seriam anexos ao processo ou não.
Portanto, não é, volto a dizer, linear que estejamos diante de uma norma inconstitucional. Mas há uma coisa
que é certa: o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade desta norma e, portanto, do nosso ponto
de vista, não resta outra alternativa se não respeitarmos essa decisão do Tribunal Constitucional e a questão