I SÉRIE — NÚMERO 13
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No fundo, o Governo considerou que às mensagens eletrónicas deveria ser aplicado um regime de pesquisa
e apreensão semelhante ao que é hoje aplicável aos dados e aos documentos informáticos reveladores de
dados pessoais e íntimos que possam pôr em causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiros.
Com equilíbrio e harmonizando os interesses em presença, o Governo visou melhorar a eficácia e a eficiência
do processo penal, adaptando-o às exigências do século XXI e dando resposta às dificuldades de investigação
associadas às novas formas de comunicação. Ao mesmo tempo, fê-lo sem pôr em causa as garantias
fundamentais dos cidadãos. Com efeito, estava sempre assegurada, em qualquer caso, a intervenção judicial,
ainda que a posteriori, com o objetivo de prevenir atuações infundadas ou desproporcionadas de procuradores
e de polícias.
Paralelamente, importa sublinhar que a solução proposta também era exigida por um desígnio fundamental
do Governo e do País: travar um combate efetivo e determinado contra a corrupção. Todos sabemos que os
níveis de sofisticação e de eficiência da criminalidade económico-financeira e, em geral, da criminalidade
organizada são amplamente potenciados pelos meios de comunicação eletrónica, tal como é de elementar
evidência que a apreensão em tempo útil de correio eletrónico e registo de comunicações semelhantes
constituem elementos determinantes do sucesso das investigações e dos processos judiciais associados a este
tipo de criminalidade.
A proposta do Governo quanto ao artigo 17.º foi aprovada nesta Assembleia, que é a sede primeira da nossa
democracia, sem quaisquer votos contra e amparada por pareceres favoráveis dos conselhos superiores das
magistraturas.
O Tribunal Constitucional pronunciou-se, todavia, no sentido da inconstitucionalidade de tal proposta,
declaração que implicou, nos termos previstos na Constituição, o veto do diploma pelo Sr. Presidente da
República, que o devolveu à Assembleia da República para reponderação.
Em homenagem ao princípio da separação de poderes, peça basilar do Estado de direito, plenamente se
acata a decisão do Tribunal Constitucional, que é legítima e soberana.
Tendo em conta o imperativo de rápida transposição da Diretiva (UE) 2019/713, cujo prazo, aliás, já se
encontra esgotado, o Governo entende não ser oportuno apresentar neste momento uma proposta alternativa
de alteração ao artigo 17.º da Lei do Cibercrime. Esta posição não obsta, naturalmente, a que no futuro venha
a ser, novamente, introduzida esta questão, dentro dos limites fixados pela jurisprudência constitucional.
Contudo, nesta altura, o essencial é dar cumprimento às obrigações do Estado português perante a União
Europeia, premência que é reforçada por toda uma dinâmica criminal associada a meios e sistemas de
pagamento, à boleia da crise pandémica que ainda vivemos.
Em suma, considerando que todo o demais conteúdo do diploma não foi questionado ou, de alguma forma,
colocado em crise, entende o Governo que o mesmo deve ser mantido, eliminando-se apenas a proposta de
alteração ao artigo 17.º da Lei do Cibercrime.
Aplausos do PS.
A Sr.ª Presidente (Edite Estrela): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Constança Urbano de Sousa, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Constança Urbano de Sousa (PS): — Sr.ª Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Hoje, estamos a fazer a reapreciação do Decreto da Assembleia da República n.º 167/XIV, que
transpõe para a nossa ordem jurídica a Diretiva (UE) 2019/713, sobre combate à fraude e à contrafação de
meios de pagamento que não sejam em numerário.
Como é do conhecimento público, este decreto foi vetado pelo Sr. Presidente da República, na sequência de
um acórdão do Tribunal Constitucional que, em sede de fiscalização preventiva, declarou a inconstitucionalidade
da redação que tinha sido proposta para o artigo 17.º da Lei do Cibercrime.
Como é próprio de um Estado de direito e, independentemente da apreciação jurídica ou constitucional que
cada um possa fazer da dita redação do artigo 17.º, a decisão do Tribunal Constitucional tem de merecer o
nosso respeito. E, por isso e tendo em consideração que a declaração de inconstitucionalidade apenas recai
sobre a redação dada ao artigo 17.º da Lei do Cibercrime, sendo, portanto, inócua relativamente ao restante