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I SÉRIE — NÚMERO 21

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Recorde-se que o Acórdão n.º 268/2022 considerou que o facto de a lei não prever a necessidade de

armazenar os dados no território da União Europeia punha em causa, designadamente, o artigo 35.º da

Constituição, que obriga a que esses dados possam ser controlados por uma entidade administrativa, que, no

caso, é a Comissão Nacional de Proteção de Dados.

Considerou, também, que não prever uma notificação ao visado de que os dados conservados tinham sido

acedidos pelas autoridades de investigação criminal violava o direito a uma correta utilização da informática e

as garantias de defesa do titular, que não era informado dessa cedência.

Considerou, em terceiro lugar, que uma conservação generalizada e indiferenciada, por um ano, dos dados

de tráfego e de localização violava o princípio da proporcionalidade, em conjugação com o direito à reserva

sobre a intimidade da vida privada.

Este acórdão, ao declarar a inconstitucionalidade, removeu da ordem jurídica, com efeitos retroativos, o

regime dos chamados «metadados». Ao fazê-lo, gerou gravidade e um alarme social indevidamente

empolado, inusitado e, perante o que estava em causa, até mesmo exagerado, sendo certo que, para o

passado, apenas podem ser afetados os processos — estejam eles pendentes ou já transitados em julgado —

em que o recurso a metadados tenha sido, efetivamente, o elemento decisivo para a condenação.

O PSD entende que é inadmissível, deve ser censurada e não contribui para a solução do problema uma

reação de criação de alarme social, mesmo quando, por vezes, ela provenha de magistrados ou, como talvez

seja mais expectável, de forças políticas que pretendem explorar esse tipo de sentimentos para tentarem

crescer com os seus pontos de vista extremistas.

Importa recordar — embora devesse ser desnecessário — que os agentes políticos não devem atuar como

incendiários, mas também não devem, designadamente quando têm funções de Governo e muito menos no

caso do Primeiro-Ministro, pôr-se a tentar ensinar aos tribunais a interpretação preferível de normas do Código

de Processo Penal. Muito menos devem recomendar aos advogados o que fazer, ou não, na defesa dos

interesses dos seus constituintes, como, infelizmente, neste caso, até o Primeiro-Ministro quis fazer e todo o

País assistiu.

Os agentes políticos devem resolver o problema ou tentar resolvê-lo, pelo menos, oferecendo propostas de

solução. Foi isso que o PSD fez, recusando, também, o demagógico ataque ao Tribunal Constitucional.

Aliás, é tentar fugir ao problema e não o querer resolver, pretendendo e insistindo que o Tribunal

Constitucional volte à questão dos efeitos retroativos da decisão quando, no Acórdão n.º 382/2022, a pedido

da Procuradoria-Geral da República, ele já se pronunciou sobre isso e disse que tem a faculdade, que usa

excecionalmente, de afastar a eficácia normal da inconstitucionalidade, afastando retroativamente a norma da

ordem jurídica. Se o fizesse, isso seria também incompatível com o direito da União Europeia e é verdade que

qualquer advogado poderia sempre suscitar a questão da contrariedade à Carta dos Direitos Fundamentais,

no Tribunal de Justiça da União Europeia.

Portanto, não só é uma tentativa fruste, essa insistência, como de nada adiantaria, sob o ponto de vista da

conservação do regime dos metadados.

Recorde-se que a origem do problema está na Diretiva 2006/24/CE, que, por sua vez, deu origem à Lei

n.º 32/2008, aprovada por um Governo socialista de que, aliás, fez parte o Primeiro-Ministro.

A verdade não pode ser escamoteada. Não obstante o teor deste acórdão de 2022 e de ele ter sido

proferido apenas agora, em abril, já pelo menos desde 2014 que se impunha a adaptação desta lei, face à

jurisprudência europeia, entretanto firmada em acórdãos do Tribunal de Justiça, designadamente: no acórdão

de 8 de abril de 2014, da Digital Rights Ireland, que invalidou grande parte desta diretiva; no acórdão de 21 de

dezembro de 2016, da Tele2, que invalidou o regime sueco; no acórdão de 6 de outubro de 2020, sobre os

regimes belga e francês; e, mais recentemente, num acórdão sobre o regime irlandês.

O Governo português apenas se pronunciou num destes acórdãos. Apesar de ter sido notificado, nem

sequer interveio nestes processos, mas já sabia deles, pois foi notificado desde, pelo menos, 2014. O Governo

português já sabia que existia um confronto discutido na jurisprudência entre a segurança e a prevenção e

esclarecimento de crimes, por um lado, e a proteção da privacidade e dos direitos fundamentais, por outro.

Esse direito à privacidade é, e cito, nas palavras do mais famoso artigo jurídico alguma vez escrito, de

Samuel Warren e Louis Brandeis, «um dos direitos mais importantes e mais valorizados pelas pessoas

civilizadas».

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