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21 DE DEZEMBRO DE 1988

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Vou socorrer-me apenas do parecer de alguém avalizado para julgar esta Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República que, no n.° 11 do seu parecer sobre esta matéria, diz que «colocam ainda os Srs. Deputados recorrentes» — recorrentes do pedido de inconstitucionalidade desta proposta — «o problema de os artigos 14.° e 47.° da proposta de lei restringirem o exercício pelos tribunais do seu poder de suspensão da eficácia dos actos administrativos». Isso poria em risco a liberdade de decisão e independência do poder judicial. Ora, salvo melhor opinião, tal não acontece.

O que a Constituição garante, em relação aos actos administrativos definitivos e executórios, é o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade. Assegura também o direito ao recurso para o particular ou para o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido (artigo 268.°, n.° 3, da Constituição).

A suspensão jurisdicional da executoriedade ou da eficácia do acto administrativo é uma fase processual do recurso contencioso que o Tribunal Administrativo só poderá conceder se se verificarem alguns requisitos que a lei consigna.

Trata-se de uma providência assimilável aos procedimentos cautelares no processo civil. Destina-se a ultrapassar a justiça administrativa ao ralanti, na expressão de um autor francês, citado por Sampaio Caramelo em «Da suspensão da executoriedade dos actos administrativos por decisão dos Tribunais Administrativos», em Um Direito, Ano cem (?), 1968, p. 22 e seguintes, máxime p. 57.

Trata-se, no entanto, de um incidente excepcional, até porque põe em causa o poder da autoridade da Adminstração que se presume ser intencionalizada à prossecução do interesse público.

Dá-se, para mais, o caso de, no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no Decreto-Lei n.° 129/84, de 27 de Abril, nem sequer se definir qual o sistema de suspensão da eficácia dos actos administrativos (n.° 1 do artigo 26.°).

Foi na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos — Decreto-Lei n.° 267/85, de 16 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 12/86, de 21 de Maio — que se precisou o sentido e conteúdo desse meio processual acessório.

O disposto no n.° 2 do artigo 14.° da proposta de lei tem inúmeros precedentes no nosso ordenamento jurídico. O artigo 47.° também não é susceptível de censura pondendo, quanto muito, sem alteração do conteúdo, ser beneficiado quanto à forma.

É evidente que a lei pode condicionar, com maior ou menor amplitude, a prevalência do interesse particular sobre o interesse público que à Administração cabe prosseguir.

Foi este o parecer avalizado da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que nós subscrevemos e em que nos baseamos para sustentar a constitucionalidade e a razoabilidade deste dispositivo do artigo 47.°, bem como o n.° 2 do artigo 14.°

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): — Sr. Presidente, é apenas para dizer que não pretendo sobrevalorizar o parecer que acabou de ser lido mas sim remetê-lo à sua devida expressão.

Em primeiro lugar, o relator é do PSD e o parecer foi aprovado apenas com votos a favor do PSD — penso que o CDS não estava presente — e, por isso, vale o que vale! Digo isto apenas para pôr as coisas no seu devido lugar.

Penso que, acima de tudo, o que deve ser tido em conta é o facto de a base de fundamentação da argumentação acabada de aduzir pelo Sr. Deputado Luís Capoulas, traduzindo o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, ser feita no pressuposto de que os tribunais apreciam um incidente de natureza excepcional. E assim deveria ser, admitindo que não se deve duvidar do carácter de isenção dos actos da Administração.

Agora, Sr. Presidente, a pergunta a fazer é esta: como se pode invocar a natureza excepcional dos incidentes em matéria de reforma agrária quando não é o número de processos de recursos interpostos pelas cooperativas o que define que o carácter não é excepcional, mas sim os acórdãos do tribunal que, sendo às centenas favoráveis aos recorrentes, demonstram que os incidentes não têm, de forma alguma, natureza excepcional, antes se transformaram em incidentes de natureza crónica, permanente.

É exactamente isto que nem os homens que emitiam opiniões em 1968, nem o jurista ou constitucionalista francês contemplavam. Eles não previam que fosse possível a uma Administração cometer tantos e tantos atentados processuais, quer sob a forma formal, quer em termos de fundo, como os que a Administração portuguesa, nestes últimos anos, tem cometido.

E a prova disso, repito, está no facto de os tribunais, na sua quase totalidade, se pronunciarem e emitirem os seus acórdãos reconhecendo os erros da Adminstração. Apreciadas as coisas sob este ponto de vista, não são, portanto, invocáveis os incidentes de natureza excepcional. E mais! Eles são tantos que retiraram aos tribunais a capacidade de responder, a curto prazo — o que até se justificaria —, com carácter de urgência. Não é possível aos tribunais, afogados em processos como têm estado, dar resposta urgente aos processos. A máquina judicial não estava preparada para contemplar o tão volumoso pacote de ilegalidades cometidas pela Administração. Este o problema existente!

Tenho de reconhecer que, quando o legislador admite que estas práticas sejam de natureza excepcional, o faz no pressuposto de que a Administração é uma pessoa de bem. Infelizmente tem-se demonstrado que não é o caso e isto é que é realmente a tal excepção que confirma a regra. Neste caso e com esta Administração, a regra tem sido o incumprimento das normas processuais, dos preceitos legais, etc, e os acórdãos têm-o demonstrado à saciedade! Para constatá-lo e tirar quaisquer dúvidas bastará verificar qual o número de acórdãos favoráveis aos recursos interpostos pelas cooperativas e qual o número de acórdãos que não foram favoráveis aos recorrentes.

O Sr. Presidente: — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Também nós não somos juristas — eu não sou jurista — mas temos o dever de interpretar a lei e de aferir da conformidade das propostas de lei com o texto constitucional.