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II SÉRIE-A — NÚMERO 40
económicas; interdependência política, militar, científica e tecnológica.
Existe uma linha unificadora desses centros que parte de meras situações de facto, como a presença demográfica, as quais não implicam necessariamente acções do poder político, linha essa que vai unindo elementos dinâmicos e interferentes no processo decisório, condicionando a autonomia da resposta política, como aconteceu com a interdependência militar.
As situações de facto correspondem a um capital político sujeito à degradação pela usura do tempo, no caso de não intervir uma acção mobilizadora, e não faltam exemplos de comunidades, designadamente na África e no Pacífico, onde a memória útil da ligação se perdeu não obstante a persistente presença das ruínas de alguma velha igreja ou fortaleza. O cuidado dos eruditos não pode nesses casos ser confundido com a actualidade e potencialidades das conexões, úteis estas para animar a semântica de um novo diálogo, mas que será realmente um diálogo a começar de novo. O caso de Marrocos, a crescer de importância em vista da nova problemática da segurança do Mediterrâneo, cabe talvez nesse conceito.
Nesse plano, principalmente é o caso do Brasil aquele que requer maiores atenções, porque a usura do tempo é indiferente à monotonia com que cada novo governante português o visita e proclama que tudo vai finalmente ser diferente.
O facto é que o Brasil, com uma fronteira continental interior que o isola das vizinhanças sul-americanas, acentua cada vez mais a abertura às culturas europeia e norte-americana.
Com uma superfície de 8 511000 km2, e mais de 150 milhões de habitantes, metade deles de origem europeia, não tem visto renovar a colónia portuguesa desde a década de 50, nem as relações económicas são significativas num quadro de comércio externo em que os seus principais elementos são os EUA, a Comunidade Europeia e a América Latina.
Estamos longe da estrutura que a partir da independência, e por um século, fez assentar nas remessas vindas do Brasil a estabilidade da moeda portuguesa.
A língua e a cultura são os interesses comuns qualitativamente mais salientes, porque a primeira é fundamental como elemento conjuntivo dos vários brasis geográficos, e os padrões de comportamento de matriz portuguesa são a referência comum dos pluralismos culturais e étnicos vinculados à origem dos grupos humanos que ali convergiram.
Porque a língua portuguesa tem idêntica função nos hoje chamados Estados de expressão oficial portuguesa, é realista ponderar que a gestão dessa variável, com todas as suas implicações vastíssimas desde a arte da imprimissão até aos mecanismos jurídicos e coastitucionaLs, pode escapar à predominante intervenção de Portugal. As questões estratégicas implicam com esta problemática, mas também ela tem que ver com uma opção europeia.
No espaço europeu, o português terá a importância equivalente à da língua de qualquer dos outros pequenos países, e não será instrumento de valor internacional; a expansão dos interesses da comunidade para o espaço adântico não pode ignorai principalmente o Brasil, e a necessidade de ter em conta a língua da terra.
Em resumo, na área das humanidades parece situar-se um ponto crítico do futuro conceito estratégico nacional, porque aqui a dependência portuguesa naquilo que respeita à investigação fundamental e às tecnologias, parece substi-
tuível pela interdependência, sem fácil alternativa, entre todos os Estados que nasceram historicamente do exercício da soberania colonial, mesmo quando se desligaram desse vínculo pela revolta armada.
Tal como se tem visto noutras antigas áreas colonizadas pelos ocidentais, e não obstante a guerra intercalar, o regresso ao convívio com o antigo povo metropolitano, e seus governos, decorre das necessidades de reconstrução de espaços onde ruiu o sistema político anterior, mas não desapareceram os sincretismos, as emergências, as raízes e as memórias.
Poderá ser aparentemente mais explicável o caso de todo o continente americano, em relação ao qual as guerras das independências não impossibilitaram o nascimento posterior da relação privilegiada anglo-americana, nem da doutrina da hispanidade, nem da teorização do luso--tropicalismo, porque as independências foram de europeus transplantados.
Mas as independências de matriz aborígene que, ao contrário daquelas, se verificaram neste século na África e na Ásia, também não impossibilitam o povoamento das universidades europeias respectivas pelos estudantes oriundos das velhas dependências, porque a interpenetração cultural originou uma comunidades de valores.
Esta perspectiva parece abrangente de antigas comunidades absorvidas por soberanias de substituição, como é tipicamente o caso de Goa, e serão talvez os casos de Timor e Macau.
Um pequeno país pode ser um centro de excelência na investigação, no ensino e na formação, ambicionado por candidatos dos territórios identificados pela mesma língua, ou por valores culturais comuas, os quais, depois de titulados, são multiplicadores dos laços de solidariedade.
6 — A reorganização do mundo, que também se chama nova ordem, a partir das Revoluções de 1789, anda a substituir o ocidente dos Estados por grandes espaços, nos quais a crise do Estado soberano é frequentemente confundida com uma crise do Estado nacional, sendo todavia questões inconfundíveis, das quais ambas só a primeira interessa para o nosso tema.
O futuro parece a responsabilidade principal das tna-crorganizações dos grandes espaços, parecendo todavia que se repete a presença directora de grandes potências estaduais do passado, como os EUA, a Alemanha o Japão, a Rússia e a China, algumas delas podendo reclamar, com verosimilhança, o qualificativo de Estados-Nações.
Mas outros grandes espaços estão a criar estruturas organizativas que não correspondem ao modelo estadual clássico, tal como se passa com a união política europeia embora a análise e a comunicação multipliquem a referência a conceitos operacionais da experiência passada, como são os modelos federal e confederai.
Acontece ainda que um pluralismo de poderes transesta-duais enriquece a complexidade da nova busca de uma ordem internacional refeita, designadamente as organizações internacionais, as empresas mulimanorais,, os. meios de comunicação globais.
Os pequenos Estados, correspondam ou não correspondam a Nações, podem tentar esconder a exiguidade num great game of let's pretend, destinado ao domínio interno dos eleitorados ainda dependentes de valores hegemónicos correspondentes a épocas históricas extintas, uma espécie de «fumos da índia» ao serviço da engenharia eleitoral.
Foi sempre variável a tendência de cada organização política ser a maker of taker of history, como sugeriu James Kurth, mas este facto não se traduz necessariamente