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19 DE OUTUBRO DE 1996

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crifício que se pede aos organizadores dos espectáculos é insignificante e sobretudo por ser de admitir que não haja ainda da parte de muitos dos destinatários uma particular sensibilidade para o «desvalor» subjacente à incriminação, o que justifica algo mais do que a mera «publicidade» formal inerente à inserção da lei no Diário da República. Assim se afastarão situações porventura qualificáveis como de fa/ta de consciência da ilicitude.

4 — Já no que diz respeito aos artigos 3.° e 5.°, entendemos dever expressar acentuadas reservas que têm tanto de dúvidas acerca da conformidade com a lei fundamental quanto de interrogações sobre a necessidade e conveniência das soluções propostas.

Sobre o primeiro desses artigos, o próprio Presidente da Assembleia da República, no despacho de admissão da proposta de lei, aflorou algumas considerações que se consubstanciam em correspondentes dúvidas, na óptica da constitucionalidade como na da eficácia das medidas preconizadas.

As nossas vão mesmo mais longe.

Vejamos.

Sobre «penas acessórias» (artigo 3.°):

1 — O condenado pela prática do crime previsto nos artigos anteriores é passível de uma pena acessória de proibição de frequência de um ou mais estabelecimentos de ensino ou recintos onde ocorram as manifestações referidas no n.° 1 do artigo 1.°, pelo período de 1 a 5 anos.

2 — ...................................:.....................................

3 — Para garantir a execução da pena acessória prevista no n.° 1, o Tribunal pode, no caso de proibição de frequência de recintos, impor ao condenado a obrigação de se apresentar nas instalações da força de segurança da área da sua residência, nas quais permanecerá durante o tempo indispensáveíà respectiva identificação, em dias e horas em que ocorrerem as manifestações cuja frequência lhe é proibida, tomando em conta as suas obrigações profissionais e necessidades de deslocação.

As penas acessórias estão previstas nos artigos 65." a 69.° do Código Penai.

Sobre elas escreve Maia Gonçalves, Código Penal Português, 8.* ed., p. 343:

Estão sujeitas ao numerus apertus. Por isto e embora o Código não faça uma enumeração expressa das penas acessórias, podem somente distinguir-se as seguintes:

Proibição do exercício de funções; Suspensão do exercício da função; Proibição do exercício de profissão ou actividade titulada;

Suspensão do exercício da profissão ou actividade titulada; Proibição de conduzir veículos automóveis.

Se relativamente a essas nunca se pôs em causa a sua constitucionalidade, material, já as soluções que ora se pretende adoptar não são de molde a deixar-nos tranquilos.

Em primeiro lugar, porque parecem ofender o «princípio da adequação»: as medidas previstas não se revelam adequadas para-a prossecução dos fins visados. E como é que a apresentação numa esquadra «durante o tempo indispensável» a uma identificação seria eficaz para assegu-

rar a não presença numa manifestação que pode durar duas, três ou quatro horas?

E que mais dizer se ao fim das primeiras «identificações», as restantes já se fazem por simples conhecimento pessoal ainda mais rápido e fulminante?

Em segundo lugar, porque parecem brigar com o princípio da exigibilidade: as medidas terão de se apresentar como necessárias, no sentido de que os fins pretendidos não podem ser conseguidos por outros meios menos gravosos para os direitos, liberdades e garantias.

Não fará falta passar do mesmo exemplo para se concluir que não é necessário ir tão longe como se pretende.

Em terceiro lugar, porque parecem atentar contra o princípio da proporcionalidade, no sentido de que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa dose justa e equilibrada, impedi ndo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas e excessivas. A proibição de frequência de um ou mais estabelecimentos de ensino poderia conduzir-nos mesmo à discussão sobre se não afronta o,direito à liberdade de aprender e ensinar, o qual engloba a «liberdade de escolha da escola e do tipo de ramo de ensino ou curso» (cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, edição de 1993, p. 249).

Tudo isso retrata e evidencia uma aparente desproporcionalidade que se não compadece com o lenitivo de que «é de pressupor que o julgador venha a fazer da faculdade um uso prudente» e que não bate certo com o que adrede dispõe o n.° 2 do artigo 18.° da Constituição da República Portuguesa:

A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se às necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

São os três «subprincípios» que se reconduzem ao «princípio da proibição do excesso»' de que falam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., p. 152.

A «desproporção» das soluções propostas afigura-se tão evidente que leva a esquecer que a moldura penal prevista (no artigo 1.°, mas mesmo no artigo 2.°) não é pesada. E somos capazes de nos surpreender a raciocinar como se estivéssemos a tratar de «delinquentes perigosos» quando, na realidade, se estará bem mais perto dos «delinquentes associais», de que se falou no projecto de 1963 e na proposta de lei n.° 221/1 —v. Maia Gonçalves, loc. cit., p. 387.

Isto para significar que subscrever acriticamente o artigo 3.° desta proposta de lei seria o mesmo que fazer reviver questões delicadas e de interesse mais dogmático do que prático, que os próprios revisores do Código Penal vigente souberam contornar.

Por outro lado, se quisermos chamar às coisas pelo nome, é pelo menos muito duvidoso que a medida prevista no n.° 3 do artigo 3.° possa configurar-se como uma pena acessória.

É razoável supor que o esquecimento a que foi votada na «Exposição de motivos» se não concilia com o que de polémico ela prometia...

«Detenção de duvidosa regularidade»?

Pena relativamente indeterminada fora dos pressupostos de que a lei actual a prevê?

Medida de segurança?

Pena de segurança?