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0480 | II Série A - Número 023 | 03 de Março de 2000

 

civil e no sector imobiliário em geral, nomeadamente através de sociedades de empréstimos imobiliários.
A economia paralela que representa hoje o comércio ilegal de drogas não pode ser facilmente substituível. É o ex-director do Observatório Geopolítico das Drogas e actual consultor da União Europeia para o assunto, Alain Labrousse, quem calcula que dos lucros do mercado mundial de drogas, cerca de 90% são investidos nos países ricos e apenas 10% nos países produtores. O mesmo Labrousse não esquece que desde 1989, o ano em que as grandes potências ocidentais anunciaram medidas drásticas contra o narcotráfico e o branqueamento de capitais, a produção de narcóticos duplicou.
A produção de drogas ilegais é hoje em dia uma das indústrias mais lucrativas à face do planeta, motivando e organizando um poderoso tráfico internacional que é protegido pela regra da clandestinidade. Em 1997, segundo a Interpol, o comércio de drogas valeria 400 biliões de dólares, distribuídos na proporção de 90% para o traficante, 6% para o agricultor, 2% para o comerciante da matéria prima e outros 2% para os responsáveis pela transformação do produto.
Entretanto, o consumo está generalizado nas sociedades modernas, que legalizaram e generalizaram algumas drogas no passado (cafeína, teína, etc.) e ilegalizaram outras - algumas das quais foram legais no passado (morfina e cocaína), como outras que foram produzidas mais recentemente pela indústria química (a heroína, o LSD, e os estimulantes anfetamínicos, por exemplo). Hoje em dia, grande parte da juventude e da população tem ou teve alguma experiência com estas drogas. A dependência extrema que algumas delas criam torna-se assim um mercado reservado e extremamente vulnerável, presa dos traficantes e das teias de corrupção que apadrinham o negocio das drogas, nas polícias ou nas políticas.
A "carta branca" que é dada a certas brigadas policiais para exercerem a sua acção coloca-as muitas vezes acima da lei, e não é preciso ir a outro país para encontrar exemplos. Por cá tivemos em 1996 o caso do pelotão de segurança da PSP do Porto, quase todo sentado no banco dos réus com acusações várias de abuso de poder, denunciados por traficantes e consumidores. O desvio da droga apreendida para um "saco azul" que financia outras operações do género parece já não ser um caso isolado na acção destas brigadas, a juntar às buscas sem mandato judicial e todo o tipo de atropelos aos direitos dos cidadãos, secundarizados em nome do apregoado "combate à droga" que têm vindo a ser denunciados e, muitas vezes, julgados em tribunal. Casos semelhantes de promiscuidade entre polícias e traficantes têm vindo a lume na imprensa, chegando até a atingir a segurança de altas figuras do Estado.
As investigações policiais deixam muitas vezes de fora os verdadeiros cabecilhas das operações de tráfico, que raramente são traídos pelos testas-de-ferro contratados para arcarem com as culpas no caso de nem tudo correr pelo melhor. Os esquemas dos traficantes no Casal Ventoso e outros bairros prevêem também estas situações. É do conhecimento das autoridades que alguns habitantes do bairro recebem somas chorudas para que, em caso de rusga, os distribuidores possam colocar dentro de suas casas a droga que possuem para venda. Caso sejam apanhados, estes habitantes recebem todo o apoio jurídico pago pelos traficantes do bairro, com a recompensa devida pelo tempo passado na cadeia.
A criminalidade que resulta desta situação tem-se agravado sintomaticamente nos últimos anos em todos os países. A política proibicionista e a solução repressiva tem gerado, tem facilitado e tem protegido a clandestinidade do tráfico, a manipulação criminosa da qualidade das drogas, a violência e criminalidade que estão associadas à dependência e a inconsciência da sociedade sobre o problema. A política proibicionista não pode ser considerada uma solução para o problema da droga: de facto, é parte integrante do próprio problema e é cúmplice do seu agravamento.

Novas tendências do tráfico e do consumo

Por outro lado, o estabelecimento da separação entre drogas legais e ilegais é um erro, e um erro perigoso, não apenas porque canaliza os esforços para uma repressão inconsequente, mas sobretudo porque coloca num segundo plano de perigosidade as substâncias vendidas no mercado legal. Como alerta o relatório do Órgão Internacional de Controlo de Estupefacientes (OICE) das Nações Unidas, apresentado em Janeiro de 1999, uma das preocupações centrais deste organismo é a subida do consumo de metilfenidato, um estimulante usado para tratar problemas de falta de atenção das crianças. Esta subida representa uma duplicação das vendas em mais de 50 países, sendo que nos Estados Unidos este estimulante é receitado a bebés com um ano de idade.
Depois do "boom" das últimas décadas, a produção de cocaína e heroína parece ter estabilizado, a avaliar pelas estatísticas publicadas e pelas apreensões feitas. Segundo a Interpol, 200 milhões de pessoas usam casual ou regularmente drogas ilegais - destes, 140 milhões consomem cannabis, 30 milhões usam estimulantes de tipo anfetamínico, 13 milhões cocaína e oito milhões heroína (dos quais dois milhões vivem no Paquistão). Este organismo policial calcula ainda que se produzem anualmente cerca de 5000 toneladas de ópio, 450 toneladas de heroína e 800 toneladas de cocaína. A quantificação é mais difícil no caso dos estimulantes, tranquilizantes e também da cannabis, com 3500 toneladas apreendidas em 1997. Já se vê que as polícias e departamentos de controlo do tráfico de estupefacientes não têm razões para festejar: estas drogas estão a conquistar novos mercados e até nos países de maior consumo vêem o seu lugar ameaçado pela nova vaga de drogas sintéticas (ecstasy e derivados anfetamínicos).
As redes de traficantes acompanham os novos tempos, modernizando a tecnologia empregue, diversificando a oferta e aproveitando a desregulamentação dos mercados financeiros para reinvestir os lucros em negócios fora da clandestinidade, o que vem tornar cada vez mais ténue a fronteira que separa economia legal e paralela.
O mapa tradicional do tráfico de drogas ilegais mudou consideravelmente nos últimos anos. Não que os países produtores tenham deixado de o ser, mas as rotas do tráfico disseminaram-se por quase todo o globo, ao ponto da comissão de narcóticos do Conselho Económico e Social das Nações Unidas considerar toda a África como uma região de trânsito. O relatório aprovado em Viena em Março de 1999 dá outros exemplos deste fenómeno, como a expansão dos circuitos de tráfico a todo o continente americano e a cada vez mais complexa rota balcânica, que envolve novos países.
A Europa continua a ser a maior zona de destino de heroína, embora o mercado dê sinais de saturação, com a estabilização - e mesmo o recuo, em certos países - do consumo. Várias razões são apontadas para esta tendência aparente. O Observatório Geopolítico das Drogas (OGD) sugere que este fenómeno diz apenas respeito às comunidades