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1454 | II Série A - Número 038 | 03 de Março de 2001

 

Em 1995, o Conselho da Europa publica a Recomendação n.º 1269, que refere "a exigência democrática de partilha efectiva pelos homens e pelas mulheres das responsabilidades em todos os sectores da vida em sociedade, incluindo nos cargos de decisão política". É também ao nível do Conselho da Europa que é criado, em Março de 1997, um grupo de especialistas sobre a igualdade e a democracia, presidido pela Engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo, que elabora um relatório com orientações para uma estratégia de integração das mulheres na vida política numa base de igualdade com os homens. Neste relatório, insiste-se no desenvolvimento de políticas no domínio da educação e formação para uma cidadania activa, promoção do emprego e independência das mulheres, conciliação entre vida profissional e familiar, adopção de dispositivos legais que garantam a participação de 40% de pessoas de cada sexo em organismos de nomeação, assembleias eleitas, estruturas de partidos políticos, sindicatos, bem como a viabilidade de escolha do sistema eleitoral de acordo com o que é mais favorável às mulheres, mencionando expressamente o sistema de representação proporcional e a adopção do sistema de quotas pelos partidos.
A partir da segunda metade dos anos 90 passou a ser defendido, a nível do Conselho da Europa, o conceito de Democracia Paritária que tem vindo a ganhar espaço em muitos países. A paridade baseia-se na ideia de que a humanidade é sexuada e deve ser por isso reconhecida a sua dualidade: é constituída por homens e mulheres que devem partilhar as diversas esferas da vida, do privado ao político. Considerou-se ainda que o "limiar" da paridade se situa entre os 30 e 40%, limiar este a partir do qual é possível uma representação de toda a humanidade, porque nos órgãos eleitos se consegue fazer sentir essa dualidade.
Analisando nos diversos países europeus a participação das mulheres nos órgãos de decisão política, conclui-se que as situações de mais elevada participação política resultam da combinação de três factores:

- Um sistema eleitoral proporcional;
- Disposições normativas para garantir uma determinada percentagem de cada um dos sexos nos órgãos eleitos e nas nomeações políticas;
- Condições sociais e culturais no âmbito da família e no trabalho, que criem condições de igualdade de oportunidades.

Nomeadamente, os bons resultados obtidos nos países nórdicos derivam de:

- Criação de factores sociais e culturais potenciadores da participação feminina;
- Regime de quotas adoptados internamente pelos partidos nas listas de candidatura e disposições legais de ponderação por sexo para nomeações políticas;
- Sistemas eleitorais proporcionais (exemplos: na Holanda, a proporção de mulheres no Parlamento é de 31,3 %, e na Dinamarca é de 33%).
O artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa recolhe este esforço paritário e determina que "A participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação do sexo no acesso a cargos políticos".
O presente projecto de lei pretende aplicar e desenvolver esta norma constitucional à luz da experiência de promoção da participação das mulheres na vida pública, tal como foi consagrada pela legislação e pela prática eleitoral de outros países.

II

Segundo o estudo realizado pelos sociólogos José Manuel Leite Viegas e Sérgio Faria (VIEGAS, José M. Leite e FARIA, Sérgio, As Mulheres na Política, Lisboa, Imprensa Nacional, 1999, p. 25) os resultados das diferentes medidas de intervenção são condicionados por duas grandes dimensões de enquadramento político e social: "o tipo de sistema eleitoral de cada país e o modelo de Estado-Providência (…). No referente ao primeiro ponto, os estudos efectuados apontam claramente os sistemas eleitorais de representação proporcional como sendo os mais favoráveis para a eleição de elementos femininos, em detrimento dos sistemas maioritários".
Nessa mesma medida, é opinião do Bloco de Esquerda que qualquer projecto de lei que pretenda introduzir medidas para alcançar um equilíbrio de género (paridade) nos órgãos de decisão política só pode ter como base um sistema eleitoral proporcional e, portanto, deve ser formulado para candidaturas em círculos plurinominais, já que em círculos uninominais se torna impossível aplicar a regra da paridade - o que constitui uma razão suplementar para rejeitar esse sistema eleitoral, que é profundamente contraditório com a tradição democrática portuguesa.
Esta é igualmente uma das conclusões do grupo de juristas que, em 1998, elaborou o estudo Democracia com mais Cidadania a pedido da Alta Comissária para a Igualdade (CANAS, Vitalino, BARROS, Joana, MIRANDA, Jorge, BELEZA, Leonor, AMARAL, Lúcia, DUARTE, Luísa, MOREIRA, Vital, Democracia com Mais Cidadania, Lisboa, Imprensa Nacional, 1998, pág. 78):
"Não é possível estabelecer objectivos em termos de sexo dos candidatos em círculos uninominais. Nem parece razoável, dada a natureza e a motivação da criação destes círculos, bem como a forma como decorrem os processos partidários e oficiais de apresentação das candidaturas, fixar objectivos globais a nível do conjunto dos círculos uninominais ou da totalidade dos círculos, com consequência na própria fase das candidaturas, quer a nível da sua possível não aceitação, quer a nível da penalização nesse momento. Mas já é viável fixar objectivos para os círculos plurinominais, impedindo que as respectivas candidaturas sejam aceites, se aqueles não forem atingidos, e simultaneamente penalizar os partidos que obtenham a formação de grupos parlamentares, em que um dos sexos não esteja representado numa certa percentagem de lugares, e/ou premiar os partidos que a ultrapassem, ou que ultrapassem uma percentagem mais elevada".
Este texto que acabamos de citar foi subscrito por Leonor Beleza, numa publicação que inclui os contributos de Vitalino Canas, Joana de Barros, Leonor Beleza, Jorge Miranda, Lúcia Amaral, Luísa Duarte e Vital Moreira, e esta conclusão é aceite pelo grupo parlamentar subscritor do presente projecto lei.
Por isso mesmo, entende o Bloco de Esquerda que a iniciativa governamental em apreço neste contexto, a proposta de lei n.º 40/VIII, só pode ser considerada favoravelmente caso seja adquirida a decisão do Governo de abdicar da imposição de círculos uninominais, pilar fundamental da contra-reforma eleitoral.