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2144 | II Série A - Número 065 | 06 de Junho de 2001

 

nossos antepassados humanos e, por outro, com as outras formas de vida existentes na Terra.
A dissecação do genoma humano permitiu ainda demonstrar que todos os humanos descendem dos africanos e que as características conhecidas como "raça" apenas são determinadas por uma pequeníssima fracção dos nossos genes. Isto significa que, muitas vezes, duas pessoas que aparentam ser muito semelhantes podem encerrar mais diferenças entre si que duas pessoas originárias de partes diferentes do mundo e que possam parecer muito pouco semelhantes. Sem prejuízo das diferenças culturais existentes, esta constatação arrasa os fundamentos biológicos do racismo.
A enorme visibilidade que a comunicação social deu a este projecto permitiu criar enormes expectativas em seu torno, como se através dele fosse possível atingirmos o conhecimento total sobre nós próprios e, através dele, o conhecimento total sobre como atingirmos a vida eterna e/ou uma vida sem doença. Estas expectativas foram, contudo, razoavelmente frustradas.Com efeito, reconhece-se hoje que os genes são apenas um aspecto da nossa história e que há muitos outros que são porventura mais importantes, designadamente o ambiente em que nos desenvolvemos, o nosso comportamento e os nossos traços de personalidade. Estes, o conhecimento sobre o genoma ainda não conseguiu penetrar e é fundamental sublinhar aqui, para esse aspecto, a importância das linhas de investigação desenvolvidas por António Damásio e a sua equipa sobre a "consciência".
O genoma humano, portanto, isoladamente não nos explicará nunca o que significa ser humano e que para avançarmos nesse sentido necessitamos de uma aproximação que inclua, designadamente, as ciências do conhecimento, as ciências sociais e as humanidades. Tal não significa a desvalorização da descodificação do genoma humano, que neste contexto desempenhará, necessariamente, um papel importantíssimo.
2 - São enormes as potencialidades que se abrem no domínio da prevenção das doenças e do seu tratamento, designadamente através da terapêutica genética como passo significativo numa nova prática médica ajustada às específicas características individuais de cada ser humano.
Portugal e os cientistas portugueses não podem estar de fora deste processo. É imperiosa, pois, a participação dos nossos cientistas nestes projectos não só para que a eles possamos dar o nosso contributo face à enorme reputação internacional de que hoje muitos deles gozam, mas também para que o nosso país e os portugueses possam beneficiar em tempo real de todos estes avanços.
Mas se é fácil discorrer daqui a importância crescente da informação genética na prestação dos cuidados de saúde, também é fácil discorrer os enormes riscos da utilização dessa informação em termos de "novas discriminações" e das mais perigosas, porque assentes ou baseadas em conhecimento científico.
Este risco faz apelo à urgência na reflexão sobre as novas questões éticas e jurídicas que este patamar de conhecimento vem colocar, designadamente a necessidade de medidas de adequada protecção da dignidade e da privacidade das pessoas.
As questões políticas daqui decorrentes, a nível dos sistemas de protecção social, do direito ao trabalho e do direito à protecção individual como forma de acesso ao exercício de direitos fundamentais, são também de importância inequívoca e Portugal não pode ficar de fora dos projectos de investigação neste domínio.
3 - Neste contexto o Grupo Parlamentar do PS produziu uma declaração política em Plenário (19 de abril de 2001) e promoveu a apresentação por cinco grupos parlamentares de um projecto de deliberação tendente a organizar o debate mais alargado sobre o tema, cuja apreciação pela 1.ª Comissão foi unanimemente aprovada pela Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares.
Considera-se, porém, que tem apreciável vantagem que o próprio Plenário da Assembleia da República não deixe de pronunciar-se preliminarmente sobre os grandes princípios que devem enquadrar tal debate. Tal via parece afigurar-se consensual dada a apresentação de iniciativas sobre a matéria, já agendadas para urgente apreciação.
É o que se faz através do presente projecto de resolução, que deliberadamente antecede a oportuna apresentação de iniciativas legislativas, tanto sobre temas directamente relacionados com a genética humana como com a utilização do corpo humano e suas partes para efeitos de biomedicina.
Nestes termos, os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PS, apresentam o seguinte projecto de resolução:
A Assembleia da República, dando expressão ao disposto artigo 26.º, n.º 3, da Constituição da República e à Convenção Para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano Face às Aplicações da Biologia e da Medicina (Convenção Sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina), aprova as seguintes medidas tendentes à defesa e salvaguarda da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano, na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica:
1 - A Assembleia da República delibera levar a cabo um amplo debate nacional sobre a temática do genoma humano e da defesa e salvaguarda da informação genética pessoal, por forma a analisar os avanços científicos recentemente divulgados, bem como as questões éticas e jurídicas daí potencialmente decorrentes e encarrega a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias de promover a organização desse debate, envolvendo, de forma ampla, a comunidade científica e o maior número possível de cidadãos.
2 - A Assembleia da República pronuncia-se pelos seguintes princípios fundamentais para a defesa e salvaguarda da dignidade pessoal e da identidade genética do ser humano, que submete a debate público:

a) Primado do ser humano, com prevalência do seu bem estar sobre o interesse exclusivo da sociedade e da ciência;
b) Proibição de todas as formas de discriminação contra uma pessoa em virtude do seu património genético;
c) Consagração da liberdade do exercício da investigação científica no domínio da biomedicina, no respeito pela protecção do ser humano;
d) Garantia de que nenhuma intervenção que tenha por objecto modificar o genoma humano pode ser levada a efeito salvo por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas e somente se não tiver por finalidade introduzir uma modificação no genoma da descendência;
e) Garantia de que as intervenções admissíveis no domínio genético dependem sempre do consentimento livre e esclarecido da pessoa, assegurando-se protecção e adequada representação a quem careça de capacidade para o prestar;
f) Proibição de testes predictivos de doenças genéticas ou que permitam quer a identificação do indivíduo como portador de um gene responsável por uma doença quer a detecção de uma predisposição ou de uma susceptibilidade genética a uma doen