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0120 | II Série A - Número 005 | 10 de Maio de 2002

 

combate ao tráfico de pessoas. De facto, o artigo 87.º do referido diploma, que estabelece as condições nas quais é dispensado o visto para a obtenção de autorização de residência, prevê, na sua alínea f), a dispensa desse visto aos «que colaborem com a justiça na investigação de actividades ilícitas passíveis de procedimento criminal, nomeadamente ao nível da criminalidade organizada», o que, para além de representar um medida avulsa, demonstra ser uma distorção do conceito de protecção da vítima. Na prática, esta medida constitui uma forma de premiar, através da atribuição de autorização de residência, eventuais colaboradores/as da investigação criminal, independentemente do tipo de crime em causa.
A lógica da protecção à vítima é bem diferente da preconizada no referido artigo. O objectivo central deverá ser o de proteger os direitos humanos das vítimas, em particular o direito de decidir sobre si mesmas, o direito à vida e de ver garantida a sua protecção contra todo dano corporal, o que passa por medidas de natureza social e jurídica que permitam criar condições para que a vítima possa recuperar controlo sobre a sua vida. De entre estas medidas destacam-se as seguintes:

a) Criar gabinetes de atendimento com linhas SOS, que forneçam informação jurídica e façam o encaminhamento necessário;
b) Providenciar assistência jurídica, com a garantia de todos os direitos e liberdades fundamentais inerentes a todas as vítimas de crimes, inclusive o direito de se constituir assistente e parte cível em processo judicial;
c) Garantir possibilidades de indemnização e reparação pelos danos económicos, físicos e psicológicos causados;
d) Assegurar que a vítima possa permanecer no País durante todas as diligências que se relacionem com o facto de ter sido vítima de tráfico ou, se for essa a vontade da vítima, dar possibilidade de acesso a autorização de residência, nos termos da lei;
e) Providenciar a assistência de tradutor competente e qualificado durante todo o processo judicial;
f) Garantir confidencialidade absoluta.

Por outro lado, tendo em conta os poucos dados existentes sobre a dimensão e natureza do tráfico de pessoas em Portugal, torna-se necessária a realização de estudos que permitam compreender este fenómeno nas suas múltiplas dimensões, não só no que diz respeito às rotas utilizadas, aos métodos utilizados, mas também no que diz respeito à reacção da vítima e às respostas institucionais habitualmente usadas.
Num outro plano - o institucional - é importante dotar os serviços para que respondam eficazmente na detecção de vítimas de tráfico de pessoas, no seu correcto atendimento e encaminhamento. Por exemplo, nos casos em que a vítima é sujeita a violência física e recorre aos serviços de saúde, a barreira da língua, o medo de represálias por parte das redes ou de expulsão por parte das autoridades portuguesas, acabam por constituir obstáculos objectivos ao encaminhamento e protecção da vítimas. Num contexto diferente, a realização de rusgas a estabelecimentos de diversão nocturna e, em particular, casas de alterne, poderia ser uma boa oportunidade para detectar situações de tráfico de mulheres e para accionar os mecanismos necessários à protecção das vítimas deste tipo de tráfico. No entanto, a prática das forças policiais tem sido o de simplesmente expulsar as estrangeiras ilegais detectadas, mesmo estando em curso o actual processo de legalização.
Neste sentido, são necessárias medidas que mudem a resposta dos serviços públicos que mais contactam com potenciais vítimas de tráfico de pessoas, de forma a que a defesa dos direitos humanos e o apoio e protecção da vítima sejam eixos fundamentais a serem tidos em conta na actuação dos técnicos e profissionais envolvidos, especialmente técnicos de saúde e forças policiais.
Propõem-se as seguintes medidas:

- Realização de acções de formação, sobre o tráfico de seres humanos, situação da vítima, formas de atendimento e mecanismos de encaminhamento e protecção, dirigidas a técnicos de saúde, agentes policiais, inspectores de trabalho e técnicos de segurança social;
- Divulgação, no âmbito da administração pública, de brochuras informativas sobre o tráfico de pessoas;
- Criação de uma bolsa nacional de tradutores a serem disponibilizados, sempre que necessário, para prestar apoio em hospitais, centros de segurança social, esquadras de polícia e postos de atendimento do SEF;

Assim sendo, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I
Objecto e definições

Artigo 1.º
(Objecto)

O presente diploma tem como objecto o reforço dos mecanismos de protecção legal à vítima de tráfico de pessoas.

Artigo 2.º
(Definições)

1 - Por tráfico de pessoas entende-se todo o acto que implique a captação de pessoas para trabalhar ou oferecer serviços num país do qual não sejam originárias, por meio de violência, ameaças, coacção, abuso de autoridade, manobras fraudulentas ou outras formas de logro, apreensão de documentos, ou qualquer outro tipo de imposição, ou utilizando a servidão por dívidas.
2 - Para efeitos de aplicação do presente diploma, considera-se que a captação pode ocorrer no país de origem, de trânsito ou de destino.
3 - Servidão por dívidas consiste no compromisso de garantir uma dívida com a prestação dos seus serviços pessoais, ou de alguém sobre quem exerça autoridade e quando se verifique uma das seguintes situações:

a) O valor dos serviços prestados, equitativamente determinados, não se adeque ao montante da dívida;
b) Não se limite a duração do pagamento;
c) Não se defina a natureza dos serviços.