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2240 | II Série A - Número 053 | 19 de Dezembro de 2002

 

- O carácter unitário do Estado é compatível com a autonomia regional e a descentralização territorial, devendo considerar-se estas dimensões como elementos constitucionais da organização e funcionamento do próprio Estado unitário (artigo 6.º) e que embora as fórmulas utilizadas no artigo 6.º (regime autonómico) e no artigo 288.º alínea o) (autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira) não sejam idênticas, pode, contudo, deduzir-se que existe:

a) Um núcleo estável e irreformável fundamentalmente reconduzido à autonomia político-administrativa;
b) Um regime júridico-autonómico insular entendido como "complexo normativo contido na Constituição, nos estatutos regionais e no bloco de legalidade regional e especificamente respeitante à organização, competência e funcionamento dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas" (Gomes Canotilho, In Direito Constitucional e teoria da Constituição, pp. 338. Almedina, Coimbra).
- Sabendo-se que a prossecução dos interesses próprios das populações "pode ser feita de forma autónoma ou em cooperação com o pode político central e regional" (2 idem, ib., pp. 340).
- Considerando que as Regiões Autónomas constituem um nível da estrutura de separação vertical de poderes que no território continental não existe, com um estatuto e atribuições de fim múltiplo como é da sua natureza de pessoa colectiva territorial.
- Considerando, finalmente, que algumas das matérias inclusas nesta proposta, também elas, já foram alvo de legislação regional, destacamos, favoravelmente, o cuidado do legislador em incluir na proposta de lei um normativo com os termos do artigo 4.º "Regiões Autónomas".

2 - Código do Trabalho
Através da lei ora proposta é aprovado o Código do Trabalho, que dela faz parte integrante (artigo 1.º).
Conforme expresso na respectiva exposição de motivos, "o Código do Trabalho procede à revisão e à unificação de múltiplas leis que regulam a prestação do trabalho subordinado".
A harmonização e sistematização da legislação laboral em vigor, que se encontra dispersa por múltiplos diplomas, alguns anteriores ao 25 de Abril, é, sem dúvida, positiva e importante para trabalhadores e empregadores, constituindo-se numa base fundamental para um melhor cumprimento da lei.
Contudo, a remissão sistemática para legislação complementar ou especial contraria a intenção anunciada, não eliminando e quiçá mesmo agravando a situação existente.
Entretanto, e a coberto da intenção primeira de sistematização, o Código do Trabalho procede igualmente a "uma profunda reforma da legislação laboral", promovendo a liberalização e flexibilização da disciplina das relações laborais, com a finalidade expressa do "reforço da produtividade e da competitividade da economia nacional".
Globalmente, o Código do Trabalho parece estar centrado no trabalhador. Ora, as relações de trabalho, de que este Código deverá constituir instrumento regulador, estabelecem-se entre um trabalhador e um empregador.
É manifesta a intenção do legislador de tornar rígidas as obrigações do trabalhador e desregulamentar os deveres dos empregadores. O artigo 10.º é exemplo manifesto dessa intenção, ao determinar que "contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas".
A estrutura deste Código assenta numa construção que começa por dar regalias aos trabalhadores, para logo a seguir e quase sistematicamente criar excepções, algumas tipificadas, abrindo caminho à arbitrariedade por parte dos empregadores, através da introdução de expressões como "salvo quando estas sejam estritamente necessárias" (artigo 16.º, n.º 1), "salvo quando particulares exigências (...) o justifiquem" (artigo 16.º, n.º 2), "salvo se daí resultar comprovada incompatibilidade com o mapa de férias elaborado pelo empregador" (artigo 81.º, n.º 1) ou "quando o interesse da empresa o exija" (artigo 245.º, n.º 1; artigo 246.º, n.º 1; artigo 247.º, n.º 1).
O Código do Trabalho impõe uma diminuição da capacidade do trabalhador negociar aspectos importantes, como alterações à categoria ou duração das férias, ficando o empregador apenas obrigado a "comunicar esse facto ao trabalhador, por escrito, nos 30 dias subsequentes à data em que a alteração produz efeitos" (artigo 99.º, n.º 1).
O alargamento da duração dos contratos a termo certo para três anos e a admissão de três renovações, conduzem à fixação de um duração máxima de seis anos para este tipo de contrato (o dobro do que é actualmente permitido), introduzindo uma maior precarização do trabalho.
Por outro lado, o Código do Trabalho admite a celebração de contrato de trabalho a termo incerto num conjunto de situações onde se inclui a execução de "obras e projectos" (artigo 139.º), estabelecendo o artigo 140.º que "o contrato (...) dura por todo o tempo necessário para (...) a conclusão da actividade, tarefa, obra ou projecto", o que permite que o trabalhador possa permanecer sem vínculo por tempo indefinido, sem que se verifique causa justificativa, agravando assim a precariedade.
Outro factor de precarização é a possibilidade de despedimento por extinção do posto de trabalho (artigo 391.º e seguintes) ou ainda, por inadaptação à evolução dos postos de trabalho (artigo 394.º e seguintes).
Esta precarização é feita em nome do "reforço da produtividade e da competitividade da economia nacional", subjacente à proposta de Código do Trabalho.
Porém, a abordagem do Governo da República sobre a produtividade é uma abordagem meramente mecanicista, pois limita-se, grosso-modo, a julgar a produtividade como a soma de horas trabalhadas.
Jacques Delors, no seu Relatório à União Europeia sobre Competitividade, no início da década de 90, demonstrou que era a gestão dos recursos humanos, em particular a qualificação e a participação, que faziam a diferença entre as organizações de sucesso e as outras.