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2000 | II Série A - Número 041 | 04 de Março de 2004

 

Neste mesmo documento se refere, no capítulo atinente a Portugal, que se estima que todos os anos sejam praticados 16 000 abortos ilegais.
Este número não passa, porém, de uma estimativa.
Reconduzindo-se uma prática ilegal, por natureza, à clandestinidade, é extraordinariamente difícil ter certezas sobre números.
Independentemente do conhecimento da sua verdadeira extensão, uma aproximação à realidade seria extremamente importante para que pudessem ser definidas políticas, o mais rigorosas possível.
Nesse sentido, a Assembleia da República aprovou por unanimidade uma Resolução - a n.º 57/2002, publicada em 17 de Outubro -, no sentido de realizar um estudo que a habilitasse a conhecer a realidade do aborto em Portugal, de forma extensa e profunda no que se refere à realidade em si e às causas que a determinam.
Volvido mais de um ano e quatro meses sobre essa aprovação e não tendo havido consenso na Comissão de Trabalho e dos Assuntos Sociais sobre a metodologia a seguir para a encomenda de tal estudo, o ponto da situação actual é o de que se decidiu proceder à entrega de um estudo preliminar ao Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) para avaliar qual o valor do contrato a realizar, para poder depois decidir sobre a tramitação legal aplicável.
Não dispomos, pois, ainda, nem disporemos tão cedo de um levantamento global da situação que siga a abordagem científica adequada, tanto mais que a complexidade e a delicadeza da tarefa dificultam a sua conclusão.
Conforme demonstram, porém, estudos mais dirigidos, recentemente elaborados pelos investigadores Henrique de Barros, do Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, e Teresa Correia da Escola de Enfermagem do Instituto Politécnico de Bragança, segundo o qual uma em cada 200 jovens, com idades compreendidas entre os 15 e os 19 anos já abortou, o aborto clandestino assumirá elevadas proporções.
Refira-se ainda, a este propósito, o estudo da Associação para o Planeamento da Família em oito bairros sociais das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto que revela números muito problemáticos, demonstrando que cerca de 30% das mulheres inquiridas já tinham realizado um aborto.
Independentemente dos contornos legais esta é uma verdadeira questão de saúde pública.
O recentemente divulgado Plano Nacional de Saúde dedica-lhe apenas a seguinte frase: "Mantém-se actual a questão da gravidez não desejada e das suas consequências".
A frase é curta, é única, tanto quanto consegui apurar, mas é densa, pois aqui se joga, em toda a sua plenitude, a vastíssima questão das determinantes da saúde.
A temática da interrupção voluntária da gravidez tem proporcionado inúmeros debates e alguns deles têm merecido enorme destaque nos órgãos de comunicação social, sobretudo por força dos processos judiciais recentemente ocorridos e citados nos preâmbulos de quase todas as iniciativas objecto deste relatório.
As perspectivas de abordagem têm variado desde a análise ética, a social, a da saúde pública, a jurídica, a política.
Destaco, de entre a imprensa escrita, um artigo de António Marujo, publicado no jornal Público, de 18 de Dezembro de 2004, sobre a abordagem pela via filosófica e teológica, apenas por não ter sido das mais comuns, desenvolvida pelo Padre Anselmo Borges que propõe "a necessidade de distinguir entre a vida, vida humana e pessoa humana".
Autor de "Corpo e Transcendência" (ed. Fundação Eugénio de Almeida), este membro da Sociedade Missionária da Boa Nova faz questão de vincar três ideias: "A vida humana deve ser garantida e respeitada; o aborto é objectivamente um mal e não pode ser encarado como algo de leviano; e é necessário atender às circunstâncias de cada caso, que são por vezes verdadeiros dramas".
Anselmo Borges propõe, depois, distinguir vida, vida humana e pessoa humana: "Nas primeiras fases, não temos uma pessoa em acto. Até à nidação, quando ainda é possível haver gémeos - ou seja, duas pessoas -, quer dizer que não temos um indivíduo". O teólogo português cita ainda o pensador católico espanhol Pedro Laín Entralgo que, na sua obra "Alma, cuerpo, persona", afirma: "Só a partir de um determinado momento do seu desenvolvimento - desde a configuração da blástula e a nidação? - [o zigoto humano] cumprirá o dilema próprio do modo incondicionado de 'ser em potência': chegar a ser homem em acto ou sucumbir".
O padre Anselmo propõe um caminho de saída: "Se com a morte cerebral a pessoa acabou, porque não se toma, como ponto de partida, a ideia de que enquanto não há cérebro não há vida?".
Noutra perspectiva está José Ramos Ascensão, presidente da Associação Mais Família, um dos grupos pró-vida. Situando-se no debate provocado pelo julgamento de Aveiro, mostra-se favorável a uma "estratégia positiva e activa no apoio às mulheres". "É uma hipocrisia afirmar que o aborto é mau e depois colocar as opções pró-aborto ou pró-vida como equivalentes". Mesmo num caso como o julgamento que está a decorrer em Aveiro, Ramos Ascensão diz que "a absolvição ou a suspensão de pena não escandaliza". O que "não quer dizer despenalizar, pois isso é tornar o aborto a solução mais fácil".
Católico - embora presida a uma associação não-confessional -, Ramos Ascensão diz que as opiniões do bispo do Porto em entrevista ao Expresso são "um sinal da liberdade de expressão dentro da Igreja", embora elas "não estejam em consonância com a doutrina da Igreja".
Sobre a posição católica oficial, Anselmo Borges diz que ela é consequência da falta de formação. "A Igreja ainda não percebeu que o aparecimento da pessoa é um processo" e quando "não há formação, há medo". "Todo o discurso moral é para o princípio da vida e para o seu fim. E o que acontece no durante? Quem defende condições de vida dignas para todos, quem forma os jovens?" E, na polémica sobre a despenalização, "a Igreja não deve reclamar o braço legal, antes apoiar-se na sua força moral".
Por sua vez, Pedro Strecht, em artigo publicado no mencionado Público, há cerca de duas semanas, analisa este tema diferentemente, sob o ponto de vista da saúde mental e não da meramente biológica, esta sendo a mais comum.

V - Enquadramento internacional da interrupção voluntária da gravidez:
Conforme se afirma em trabalho recente cuja elaboração e publicação foi apoiado pelo FNUAP, o mais significativo documento da ONU é o Programa de Acção resultante da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada no Cairo em 1994 e que representa a base para a política de saúde reprodutiva em todo o mundo. Outros momentos-chave na política ONU adiante referidos representaram grandes inovações na agenda internacional.
A Conferência Internacional sobre Direitos Humanos, que teve lugar em Teerão, em 1968, declarou pela primeira vez o direito humano dos pais ao planeamento familiar, conforme se expressa no Parágrafo 16: "a protecção da família e da criança mantém-se como interesse da comunidade internacional.