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0005 | II Série A - Número 088 | 23 de Fevereiro de 2006

 

de pessoas. Assim, o artigo 159.º (escravidão) pune com a pena de prisão de 5 a 15 anos quem "alienar, ceder ou adquirir pessoa ou dela se apossar, com a intenção de a manter no estado ou condição de escravo"; o artigo 169.º (tráfico de pessoas) pune com a pena de prisão de 2 a 8 anos "quem, por meio de violência, ameaça grave, ardil manobra fraudulenta, abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou aproveitando qualquer situação de especial vulnerabilidade, aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de pessoa, ou propiciar as condições para a prática por essa pessoa, em país estrangeiro, de prostituição ou de actos sexuais de relevo"; e o n.º 2 do artigo 176.º (lenocínio e tráfico de menores) pune com a pena de prisão de 1 a 8 anos "quem aliciar, transportar, proceder ao alojamento ou acolhimento de menor de 16 anos, ou propiciar a prática por este, em país estrangeiro, de prostituição ou de actos sexuais de relevo."
Também o artigo 296.º (exploração de menor na mendicidade) é susceptível de fundamentar a punição do tráfico de menores para a mendicidade, porém apenas num quadro de comparticipação, não podendo o traficante (v.g. o pai que cede o seu filho a um terceiro para aquele ser utilizado na via pública a pedir esmola) ser condenado numa pena superior a três anos de prisão.
Nos termos do artigo 12.º do Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil, deve cada Estado parte, decorridos dois anos sobre a entrada em vigor do Protocolo, elaborar um relatório contendo informação detalhada sobre as medidas por si adoptadas para tornar efectivas as disposições do Protocolo. Ora terminado em Abril de 2005 esse prazo, no respectivo relatório do Estado português far-se-ia constar, por uma lado, a omissão legislativa no que respeita ao crime de tráfico de crianças para exploração de mão-de-obra e extracção de órgãos e por outro o facto de para o Direito Penal interno o conceito de criança abranger unicamente os menores de 16 anos de idade.
Quer os compromissos firmados com a Comunidade Internacional, quer as vivências ilícitas que em Portugal se vêem desenvolvendo com os fluxos imigratórios impõem a reformulação do Código Penal português.

2. Tipificação do "tráfico de pessoas" no Direito Penal vigente
2.1. Escravidão e mendicidade

Numa consideração mais atenta do tipo penal do artigo 159.º (escravidão) poderíamos considerar que todo o tráfico de pessoas se integraria no respectivo tipo, uma vez que nessas situações o ser humano é desconsiderado da sua dignidade e tratado como um objecto. Foi mesmo a Convenção Suplementar de Genebra de 1956 que "indicou, a título exemplificativo, vária condutas que qualificou de análogas à de escravidão. Trata-se de comportamentos que têm o elemento típico da escravatura, ou seja, a redução de uma pessoa à categoria de mero objecto, coisa ou mercadoria. São elas a servidão por dívidas, a servidão da gleba, a alienação ou aquisição, a qualquer título, do direito de disposição total sobre mulher ou criança." (Cit. Carvalho, Américo Taipa de, "Artigo 159.º", in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 424.)
No entanto, ainda que o tráfico de pessoas para exploração de mão-de-obra possa em teoria subsumir-se ao tipo previsto no n.º 2 do artigo 159.º CP, tal não sucede com o tráfico de crianças, tal como definido no Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil.
Até mesmo quanto ao tráfico de crianças que tenha por fim a sua exploração na mendicidade (socialmente considerada como uma forma de escravidão contemporânea) há dúvidas que se possa qualificar como tráfico, para efeitos do artigo 159.º do Código Penal (CP). Isto porque a tipificação da exploração de menor na mendicidade (artigo 296.º CP), indicia que a exploração de um ser humano na mendicidade não é reconhecido como uma situação de escravidão.
Acresce ainda que não pode qualificar-se a mendicidade em si como actividade desumana ou proibida, porque, a poder qualificar-se como tal retirar-se-ia sentido útil ao tipo de crime de exploração de menor na mendicidade, uma vez que se aplicaria a alínea b) do n.º 1 do artigo 152.º CP (Maus tratos e infracção de regras de segurança).
Assim, por um lado, atendendo ao princípio da tipicidade, os casos de tráfico de menores para a prática de mendicidade terão de ser resolvidos no quadro da comparticipação, e uma acção (tráfico) cujo desvalor é maior que a própria exploração do menor na mendicidade é punido com pena equivalente (pena de prisão até 3 anos); e por outro, apesar de o bem jurídico tutelado pelo artigo 296.º ser o "normal e socialmente saudável desenvolvimento da criança e o não agravamento da incapacidade psíquica do incapaz" (Carvalho, Alberto Taipa de, "Artigo 296.º" in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Artigos 202.º a 307.º, Jorge Figueiredo Dias (dir.), Coimbra Editora, pág. 1129) e de os instrumentos internacionais referirem que todo o menor de 18 anos é criança, o tipo penal do artigo 296.º apenas protege os menores de 16 anos e os psiquicamente incapazes.
A formulação do princípio da legalidade, previsto no número 1 do artigo 1.º do CP, nos termos do qual "só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da prática do facto", exige do legislador níveis elevados de clareza e precisão para permitir a sua aplicação