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0007 | II Série A - Número 088 | 23 de Fevereiro de 2006

 

Portugal é dos poucos países da União Europeia que não típica no seu Direito Penal o crime de tráfico de seres humanos em sentido amplo, não havendo cobertura para a condenação de diversas formas da prática de actos que visam o enriquecimento através da venda de crianças e da exploração de mão de obra e de novas formas de escravatura, como a exploração da mendicidade.
Pelo exposto é importante proceder a uma alteração do crime de tráfico de pessoas, por forma a punir todos aqueles que exploram as pessoas para outros fins, harmonizando-se, deste modo, o Direito Penal português com os instrumentos internacionais de que Portugal é signatário.

3. Conclusões: opção legislativa

A legislação penal nacional até agora em vigor não permite a adequada protecção da liberdade e dignidade humana, bem jurídico atingido no âmbito do tráfico de seres humanos, conforme definido nos instrumentos internacionais supra indicados.
Assim, importa:

1. Tipificar o crime de tráfico de crianças, criminalizando-se condutas que visem a transacção de crianças para extracção de órgãos exploração sexual, de mão de obra e na mendicidade e a cedência de crianças em violação das regras da adopção;
2. Tipificar o crime de tráfico de pessoas para extracção de órgãos, exploração sexual, de mão de obra e na mendicidade, quando o agente recorra à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coacção, ao rapto ou à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração;
3. Adoptar uma definição de criança, para fins do crime de tráfico de pessoas, que abranja todo o cidadão que não tenha atingido a maioridade;
4. Alargar a protecção do artigo 176.º (lenocínio e tráfico de menores) a todas as crianças, independentemente da sua condição de estrangeiro.

Para a ponderação de uma solução legislativa e para efeitos da densificação do conceito de exploração de mão-de-obra procedeu-se ao confronto do Código Penal alemão, do Código Penal austríaco, do Código Penal francês e do Código Penal espanhol.
O Código Penal Alemão, nos termos definidos nos instrumentos internacionais acima identificados, tipifica autonomamente no âmbito dos crimes contra a liberdade pessoal (i) o tráfico de seres humanos para exploração sexual (§ 232), punindo o facto com pena de prisão entre 6 meses e 10 anos (ii) o tráfico de seres humanos para exploração de mão de obra (§233), punindo o facto com pena de prisão entre 6 meses e dez anos e (iii) o tráfico de crianças (§ 236), punindo o facto com pena de multa ou prisão até cinco anos.
O Código Penal austríaco adoptando uma técnica legislativa diferente, mas em conformidade com os instrumentos internacionais de que é signatário e também no âmbito dos crimes contra a liberdade, tipifica os crimes de tráfico de escravos (§ 104) e tráfico de seres humanos (§ 104 a), punindo com a pena de prisão até três anos a comercialização de menores, pena esta susceptível de ser agravada até dez anos.
O Código Penal francês tipifica os crimes de exploração da mendicidade (artigo 225-12-5) de exploração e mendicidade em relação a um menor (artigo 225-12-6), punidos com pena de multa e prisão até 10 anos, incluindo a criminalização da intermediação para adopção em violação das leis da adopção no tipo de crime de "atentado contra a filiação" (227-12), punido com pena de multa ou de prisão até 6 meses e os crimes relativos a condições de trabalho e alojamento contrárias à dignidade humana (artigo 225-12-7), punidos com pena de prisão de cinco anos (sete se a vítima for menor) e pena de multa.
O Código Penal espanhol pune, no âmbito dos crimes contra a liberdade e intimidade sexual, com pena de prisão de 1 a 4 anos o tráfico de menores para exploração sexual (artigo 187.º), pune com a pena de prisão de seis meses a dois anos "quem ocultar ou entregar a terceiros um filho para alterar ou modificar a sua filiação" (artigo 220.º e seguintes - da suposição do parto, da alteração da paternidade ou do estado ou condição do menor). Para além de tipificar os crimes favorecimento da imigração ilegal em Espanha e de angariação de mão-de-obra estrangeira ilegal (artigos 313.º e 318.º), pune com a pena de prisão de 2 a 5 anos o tráfico de mão-de-obra (artigo 312.º).
Tendo como ponto de partida o quadro normativo nacional e internacional acabado de traçar, podemos verificar, a diferença entre a noção de tráfico de pessoas na ordem jurídica portuguesa, que está limitado às situações em que as pessoas são traficadas para o exercício da prostituição, e as diferentes noções adoptadas por instrumentos jurídicos internacionais que incluem no conceito, a exploração de mão de obra e a extracção de órgãos.
Dos preceitos acima identificados os Códigos Penais alemão e francês procedem à determinação do conceito de exploração de mão-de-obra.
Assim, nos termos do § 233 do Código alemão são elementos essenciais do crime de tráfico de pessoas:

- Aproveitamento pelo agente de uma situação de necessidade (Zwangslage) e desamparo;