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0014 | II Série A - Número 098 | 30 de Março de 2006

 

Assim, parece-nos ser de concluir que, nas propostas apresentadas, não se prefiguram medidas de acção positiva que pretendam contrabalançar eventuais desvantagens de um dos sexos no acesso ao poder político.
E é aqui que se suscitam dúvidas de constitucionalidade que não se suscitavam relativamente à proposta de lei n.º 194/VII.
Com efeito, nesta as dúvidas apenas podiam levantar-se quanto ao respeito dos limites contidos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Isto é: importava saber se o sistema contido na proposta de lei respeitava os limites da adequação, da proporcionalidade e da necessidade. Nas iniciativas legislativas em análise parece que as questões de constitucionalidade se encontram acrescidas.
A leitura dos pareceres de constitucionalistas relativamente à solução encontrada na proposta de lei n.º 194/VII será bastante elucidativa (vide Democracia com mais cidadania, edição da Imprensa Nacional/Casa da Moeda, contendo pareceres de Jorge Miranda, Leonor Beleza, Lúcia Amaral, Luísa Duarte e Vital Moreira).
Na verdade, segundo o Professor Jorge Miranda, "A representação política moderna - contraposta à representação estamental e irredutível à representação de interesses - esteia-se na universalidade e unidade dos cidadãos, na unidade do povo ou comunidade política, acima de quaisquer categorias ou qualidades particulares de representados e representantes. No entanto, isso não impede que se considerem medidas, directas ou indirectas, tendentes a aproximar a composição dos órgãos representativos da composição real da comunidade, de tal sorte que a soberania do povo - una e indivisível (artigo 3.º da Constituição) - se traduza em cidadania assumida em plenitude por todos os seus membros. A esta luz, poderá entender-se que orientações, incentivos e prescrições nesse sentido, longe de conduzirem a um fraccionamento, poderão reforçar a unidade política. Tudo está em que sejam tomados estritamente em vista desse objectivo e só pelo tempo estritamente necessário, confiando-se depois na dinâmica social e cultural que se venha a desenvolver".
E salientava em nota de rodapé o Professor Jorge Miranda (vide o artigo 4.º, n.º 1, da Convenção sobre a discriminação contra as mulheres:

"A adopção pelos Estados partes de medidas temporárias visando acelerar a instauração de uma igualdade de facto entre homens e mulheres não é considerado um acto de discriminação; mas não deve, por nenhuma forma, ter como consequência a manutenção de normas desiguais ou distintas; e estas medidas devem ser postas de parte quando os objectivos em matéria de igualdade e de oportunidades e de tratamento tiverem sido atingidos."

A Convenção, anota o Professor Jorge Miranda, foi aprovada para ratificação em Portugal pela Lei n.º 23/80, de 26 de Julho.
Nas conclusões do seu parecer foi, assim, exarado:

"(...) importa notar

h) Sem embargo do carácter permanente da norma constitucional, o carácter temporário variável, em razão da necessidade, das normas legais de concretização nos moldes atrás referidos."

Também o Professor Vital Moreira considera no seu parecer que o artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa impõe a adopção de medidas de discriminação positiva, entre as quais coloca a adopção de um sistema de quotas, afirmando a tal respeito:

"Com efeito, é o próprio artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa, na sua nova redacção, que discrimina explicitamente a participação (…) de homens e mulheres na vida política, lá onde anteriormente se falava em participação dos cidadãos na vida política, expressão esta que ainda se encontra na rubrica do mesmo preceito, que permaneceu inalterada, como que para significar que para este efeito os cidadãos são homens e mulheres, em suma, que a cidadania passou a ter sexo. Torna-se evidente que, para este efeito - ou seja, que para efeito de acesso aos cargos políticos incluindo os cargos electivos -, a própria Constituição procede a uma diferenciação do demos em homens e mulheres, melhor dizendo em cidadãos e cidadãs".

Mas a dúvida continua a colocar-se: será que a diferenciação do demos não fica apenas autorizada enquanto forem necessárias as medidas de discriminação positiva?
Por isso é que no preâmbulo da proposta de lei n. 194/VII se afirmava:

"Não está em causa o direito de eleger ou o direito de ser eleito. Só estão em causa os requisitos de legitimidade procedimental para a sua propositura, o que é muito diferente. Nem se trata de fraccionar e tão somente de reforçar a unidade política. Tudo está em que os preceitos legais sejam tomados estritamente em vista desse objectivo e só pelo tempo estritamente necessário, confiando-se depois na dinâmica social e cultural que se venha a desenvolver. Não se trata de segregar, mas, pelo contrário, de integrar.