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0019 | II Série A - Número 098 | 30 de Março de 2006

 

definido como integrante da família já que esta, como base social do regime, território à escala micro-social do poder de chefe, consistia "no casamento e na filiação legítima" (artigo 13.º da Constituição de 1933).
A Concordata celebrada com a Santa Sé, a 7 de Maio de 1940 (Decreto-Lei n.º 30615, de 25 de Julho), consagra, a par do casamento civil, o casamento celebrado pela Igreja, segundo as leis canónicas, exclusivamente por elas regido, sujeito ao princípio da indissociabilidade. Criam-se, assim, dois regimes matrimoniais distintos, sendo apenas um, o civil, passível de divórcio. No entanto, a partir de 1946, é nítido o declínio da taxa de divórcios, quer porque a maioria da população portuguesa mantém a celebração matrimonial tradicional católica quer porque a doutrina e o discurso corporativistas estigmatizam intensamente o divórcio. A vigência da Concordata originará situações de ruptura conjugal não reconhecidas, mas evidentes na subida das separações judiciais de pessoas e bens e na imposição da ilegitimidade dos filhos das novas uniões irregulamentáveis pela lei. O Código Civil de 1966 impõe novas restrições, impedindo o divórcio por mútuo consentimento, em vigor desde a I República, aos casados civis.
A dimensão social das consequências da legislação do Estado Novo toma visibilidade depois do 25 de Abril de 1974. Dois meses após a revolução, o Movimento Pró-Divórcio, existente desde 1965, entrega ao governo provisório 51 000 assinaturas, às quais se acrescentam mais 50 000, reclamando a revogação da cláusula da Concordata e do articulado do Código Civil impeditivos da dissolução dos casamentos católicos. Na sequência de um vasto movimento social pelo divórcio, em Maio de 1974, com a ratificação do protocolo adicional à Concordata e o consequente Decreto-Lei n.º 261, retoma-se a unidade do regime matrimonial da legislação da I República, igualando o casamento católico e o casamento civil e admitindo o divórcio por mútuo consentimento e o divórcio litigioso. O protocolo adicional à Concordata, que veio permitir o divórcio civil para os católicos, foi assinado pelo Vaticano a 13 de Fevereiro de 1975.
O sistema português, à semelhança de outros sistemas europeus, nos quais se verificam reformas na mesma década, caracteriza-se como "sistema misto", de compromisso entre o "divórcio-sanção" e o divórcio constatação da ruptura do casamento ou "divórcio-remédio". As alterações de 1975 não contêm ainda a amplitude da legislação republicana. Porém, o direito começa lentamente a reflectir as novas vivências do casamento e da família, consagrando um e outra como realidades distintas, ainda que em íntima conexão. Exemplo desta perspectiva moderna é o facto de, na Constituição de 1976, só a família ser objecto de garantia constitucional, não se enunciando o mesmo princípio de protecção para o casamento limitado pela Constituição a um direito individual fundamental.
Em 1994 e 1995 algumas alterações ao Código Civil introduzem pontualmente aligeiramentos no processo de divórcio. No entanto, apenas em 1997, com o projecto de lei n.º 399/VII, do PS, é proposta globalmente uma filosofia de liberalização do divórcio fundamentada nas profundas transformações da sociedade portuguesa e de uma maior valoração da conjugalidade e da família. A Lei n.º 47/98, baseada neste projecto, embora contendo alterações que facilitam o divórcio, fica aquém da proposta. Mais recentemente o Decreto-Lei n.º 272/2001 veio agilizar o processo de divórcio por mútuo consentimento, remetendo-o para a competência exclusiva dos conservadores do Registo Civil, libertando, assim, os tribunais, e acelerando o processo com a redução das tentativas de conciliação a uma apenas, o que elimina o compasso de espera de três meses, no mínimo, que decorria entre ambas as conferências.
Entretanto, o processo de mudança social que se reflecte em novas exigências de autonomia individual e de realização afectiva, traduzidas em novas expectativas face à conjugalidade, no aumento de rupturas conjugais e na diversidade de modelos familiares, apelam a um outro enquadramento jurídico, particularmente do "divórcio litigioso".
Tal como na evolução das concepções jurídicas, também sociologicamente a problemática do divórcio radica na do casamento.
A moderna vivência da conjugalidade emerge no século XIX, época em que o casamento se sentimentaliza e através da exigência da afectividade aparece a liberdade de escolha mútua. Foi também uma emergência resultante da crise. O romantismo, com incidência particular entre nós nos romances de Camilo Castelo Branco, espelha a crise da família patriarcal com a contestação da autoridade paterna, impondo o futuro cônjuge aos filhos e, em particular, às filhas.
Porém, a sentimentalização da família não encontra correspondência nem no campo do direito, onde permanecia consagrada a família hierarquizada, nem no campo económico, com a revolução industrial a intensificar a divisão sexual do trabalho.
O processo de mudança social, de que os anos 60 são charneira, faz eclodir a crise na hierarquização familiar e no esquema sexual de divisão do trabalho. Factores diversos interconjugam-se e, directa ou indirectamente, influenciam a subida de rupturas conjugais em crescendo até à actualidade. Destacam-se o aumento da esperança de vida e a radical alteração do estatuto da mulher, patente no aumento da escolaridade, do emprego e da participação social feminina e na generalização da contracepção dos anos 60, em novas vivências da sexualidade e numa maior simetria de género.
As transformações objectivas das últimas décadas do séc. XX reflectem-se em mutações culturais que provocam rupturas no quadro tradicional de valores e modelos de vida, manifestam-se na luta pelos direitos humanos, não simplesmente em termos holísticos, universais, não apenas relativamente ao "sujeito empírico" mas também ao indivíduo em si, como entidade autónoma no contexto social a que pertence. A noção de indivíduo concretiza-se em cada um, apropriada a consciência da individualidade única no "sujeito moral". O