O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0020 | II Série A - Número 098 | 30 de Março de 2006

 

movimento feminista fazendo emergir no contexto público, político o que era considerado estritamente privado é um dos momentos da concepção moderna de individualidade. Neste percurso a igualdade formal e as declarações universais de direitos, se bem pré-valoradas, não bastam e o direito tem de ser apropriado, vivido na existência de cada um e por cada um.
Novas expectativas, novas exigências emergem no domínio social. Uma nova perspectiva axiológica e ética mais urgente surge no domínio mais íntimo de cada um: a afectividade e a busca da felicidade. É este impulso que se manifesta em novas formas de encarar a conjugalidade e na emergência de modelos familiares diversos.
Em síntese, o processo de mudança social traduz-se em transformações objectivas e subjectivas que favorecem uma mais ampla autonomia individual. É porque as dependências da mulher e do homem diminuem, é porque um e outro se tornam mais livres que o casamento tradicional entra em crise: o eu não se dissolve no "nós" conjugal e tende a tornar-se cada vez mais "o encontro de duas liberdades".
De instituição o casamento transforma-se em associação, fundamentada na ligação afectiva, através da qual duas pessoas buscam a felicidade e uma dimensão fundamental da realização pessoal. É porque o amor é valorizado, a resignação repudiada e a vida surge como um projecto, que o divórcio aumenta num contexto complexo de transformação da família cada vez mais polimorfa: família nuclear, famílias monoparentais, novas famílias resultantes de segundas núpcias, abrindo para modelos de parentesco alargado, os "novos" velhos casais que começam a surgir também no nosso país, no âmbito da terceira idade, ou simplesmente viver só toda a vida, ou viver só, coabitar, casar, romper, voltar a casar, voltar a viver só, segundo as decisões das pessoas.

"Independentemente dos juízos de valor que sobre estas realidades possam ser elaborados, o casamento, para muitos cidadãos, já não é vivido como um sacramento. Nesta medida, a conotação de dever que esse sentido transcendente também implicava tende a perder significado. Caminha-se hoje no sentido de uma visão mais laica, mais privada do casamento, e a ele se vai associando maior liberdade individual. Ao laço sagrado sobrepôs-se o laço profano, o dever de continuidade da instituição cede lugar à regra do bem-estar pessoal e ao desejo da persistência do amor. Sem ele, ou perante a sua erosão, há motivo suficiente para quebrar o laço. O sentimento amoroso é, nos nossos dias, a única aventura transcendente na relação conjugal e constitui, aparentemente, o seu fundamento universal e eticamente aceitável.
Amar, ser amado, sentir-se protegido, confortável, capaz, são desejos e vontades aparentemente simples mas difíceis de concretizar, como as histórias de divórcio também demonstram. (…)" (Anália Cardoso Torres, Divórcio em Portugal, Ditos e Interditos - Uma análise sociológica, Celta Editora, 1996, pág. 6).

Em entrevista para a XIS n.º 193 (revista suplemento do jornal Público), a socióloga Anália Cardoso Torres afirmava: "A maneira de encarar o divórcio mudou. O casamento deixou de ser uma instituição a preservar a qualquer custo. Mantém-se se é satisfatório, se produz alegria e bem-estar." Ainda no mesmo artigo, da autoria de Ana Vieira de Castro, publicado a 15 de Fevereiro de 2003, podemos ler: "A mudança de atitude face à união formalizada teve como consequência um aumento de divórcio, quando os elementos do casal chegam à conclusão de que o casamento deixou de cumprir o papel de felicidade, tranquilidade e satisfação emocional contidos na promessa inicial (…)".
Em 1997, na União Europeia, um em cada quatro casamentos terminava em divórcio, o que representa uma estimativa de 25% para os casais casados nesse ano, contra 14% das uniões conjugais em 1960. Mesmo constituindo menos de metade dos divórcios verificados nos EUA, é intenso o aumento dos divórcios no qual se verifica uma crescente precocidade de ruptura. Em Portugal o número de divórcios não cessa também de aumentar: 12 322 em 1995; 13 429 em 1996, 14 078 em 1977, 15 278 em 1998, 17 881 em 1999, 19 302 em 2000, 19 004 em 2001, 27 805 em 2002, 22 818 em 2003 e 23 348 em 2004. No ano de 2002 o aumento do número de divórcios, em relação ao ano anterior, atingiu os 46%. Em 1998 em cada 100 divórcios 26 foram litigiosos, em 2001 este número diminuiu para cerca de 12,8 %. À semelhança de outros países, a maior parte dos requerentes do divórcio litigioso são mulheres - 62% em 1998.
Entre 1970 e 1995 em todos os países da União Europeia assistimos a modificações profundas na legislação sobre o divórcio no sentido da sua facilitação, nomeadamente através da redução do tempo da sua declaração, acelerando o processo, e do aligeiramento da intervenção judicial. Estas reformas incidem particularmente no divórcio por mútuo consentimento. Apesar de alguns avanços, o divórcio litigioso permanece, com excepção da Alemanha e Suécia, e de alguns casos na Noruega, enquadrado num regime em que a culpa continua a constituir um elemento importante das condições de divórcio. É o caso de Portugal, em que o pedido do divórcio litigioso está sujeito à violação culposa dos deveres conjugais.
Historicamente, a consagração do divórcio litigioso, fundamentado somente na noção de culpa, constituiu um factor importante na defesa dos direitos dos cônjuges, particularmente das mulheres, na medida em que abrange a violência, a infidelidade, a ausência de respeito, cooperação e assistência e de coabitação por um tempo legalmente fixado.
Entre os anos 60 e 70 parte significativa do divórcio litigioso, requerido particularmente pelas mulheres, fundamentava-se na infidelidade do cônjuge. Tal facto tem de ser lido em relação ao processo de emancipação das mulheres e com a emergência de uma outra perspectiva da conjugalidade. Na realidade,