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II SÉRIE-A — NÚMERO 184 44

ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de

comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal».

Em relação às autoridades públicas, este preceito constitucional exprime duas normas contrapostas no seu

sentido deôntico: uma norma proibitiva de toda a ingerência na correspondência, telecomunicações e demais

meios de comunicação; e uma norma permissiva da ingerência nos casos previstos na lei em matéria de

processo penal. Entre as duas normas há uma relação de excecionalidade, em que a norma proibitiva aparece

como geral relativamente à norma permissiva, que exceciona. Com efeito, a norma permissiva autoriza o

legislador a criar normas para um setor restrito de casos com uma configuração particular - «em matéria de

processo penal» - que consagram uma disciplina oposta à constitucionalmente estabelecida como regime-regra.

O sacrifício do direito à inviolabilidade das comunicações privadas a razões imperiosas de investigação

criminal consubstancia uma restrição ao conteúdo constitucional daquele direito fundamental, com o âmbito de

proteção acima delimitado. O direito à inviolabilidade das comunicações não é pois um direito absoluto, visto

que a Constituição autoriza uma intervenção normativa do legislador, para salvaguarda de outros valores

constitucionais, nomeadamente de bens jurídicos dotados de dignidade penal (de bens jurídico-penais), ao

serviço dos quais se encontra o processo criminal. De facto, o n.º 4 do artigo 34.º da CRP admite restrições a

estabelecer por lei com fundamento em exigências de processo criminal relativamente à inviolabilidade de

correspondência, telecomunicações e outros meios de comunicação. Trata-se, pois, de um preceito

constitucional que contempla uma previsão constitucional expressa da restrição de um direito fundamental (sigilo

das comunicações), preenchendo o pressuposto material da emanação de leis restritivas a que diretamente se

refere ao artigo 18.º, n.º 2, primeira parte, da Lei Fundamental («a lei só pode restringir direitos, liberdades e

garantias nos casos expressamente previstos na Constituição»).

Ora, como refere Gomes Canotilho, a autorização de restrição expressa de um direito fundamental «tem

como objetivo obrigar o legislador a procurar sempre nas normas constitucionais o fundamento concreto para o

exercício da sua competência de restrição de direitos, liberdades e garantias», de modo a criar segurança

jurídica nos cidadãos, que poderão contar com a inexistência de medidas restritivas de direitos fora dos casos

expressamente considerados pelas normas constitucionais como sujeitos a reserva de lei restritiva» (cfr. Direito

Constitucional e Teoria da Constituição, 5ª ed. pág. 448). Sendo este o sentido das restrições estabelecidas por

lei, mediante autorização expressa da constituição, a intervenção normativa abstrata do legislador ordinário só

pode ocorrer nos termos autorizados pela norma constitucional e nos casos nela previstos.

Ora, o tipo de restrições ao direito à inviolabilidade das comunicações que é admitido pelo n.º 4 do artigo 34.º

da CRP é muito mais exigente do que as restrições toleradas por outros direitos fundamentais em que se

protegem os mesmos bens jurídicos (dignidade da pessoa, desenvolvimento da personalidade, garantia da

privacidade, autodeterminação comunicativa). Contrariamente ao que se verifica em alguns desses direitos, em

que, através da expressão “nos termos da lei”, se atribui uma competência genérica de regulação que pode ser

interpretada como incluindo poderes de restrição, a norma permissiva do n.º 4 do artigo 34.º autoriza a restrição

do direito à inviolabilidade das comunicações apenas em determinado domínio normativo: “em matéria de

processo criminal”. Através deste segmento normativo, a autorização constitucional expressa para a restrição

do direito à inviolabilidade das comunicações é completada com a discriminação dos fins e interesses a

prosseguir com a lei restritiva ou com o critério que deve balizar a intervenção do legislador ordinário.

Este é, pois, um caso – a par do igualmente estabelecido no artigo 27.º, n.º 3, em que se estabelecem as

condições da privação da liberdade -, em que é a própria Constituição que prevê diretamente uma determinada

restrição, remetendo para a lei a sua concretização, mas tomando sempre como referencial o processo criminal.

Noutras situações, a Constituição limita-se a admitir restrições não especificadas, como por exemplo nos artigos

35.º, n.º 4 (proibição de acesso a dados pessoais, salvo nos casos previstos na lei), 47.º, n.º 1 (liberdade de

escolha de profissão salvas as restrições legais), 49.º, n.º 1 (direito de sufrágio ressalvadas as incapacidades

previstas na lei geral), e 270.º (restrições estabelecidas por lei ao exercício de direitos pelos militares e agentes

militarizados).

Enquanto no caso do artigo 34.º, n.º 4, a lei se limita a declarar a restrição prevista na Constituição, tendo de

se conformar com o condicionalismo que se encontra expressamente recortado no preceito constitucional, nos

outros casos, em que não existe uma tal especificação, a lei cria a restrição admitida pela Constituição tendo,

no entanto, de sujeitar-se aos requisitos de legitimidade impostos pelo princípio da proporcionalidade, como

decorre do artigo 18.º, n.º 2, segunda parte. Tornando-se a todos os títulos claro, neste contexto, que o grau de