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II SÉRIE-A — NÚMERO 184 64

de motivos que acompanhava a proposta de lei do Governo que esteve na origem do Decreto n.º 426/XII (cfr. o

artigo 3.º do pedido) qualificava, não com total rigor, como correspondendo a metadados, enquanto conceito

intuído como apropriado aos dados de tráfego.

Todavia, o emprego desta expressão – metadados – no contexto que aqui nos interessa é suscetível de criar

equívocos. Com efeito, na ciência da computação, corresponde o conceito de metadados, usualmente definidos

como “dados sobre dados” (“[m]etadata is simplydata about data […]”, Jembaa Cole, “When invisible electronic

ink leaves red faces: tactical, legal and ethical consequences of the failure to remove metadata”, disponível em:

https://digital.law.washington.edu/), à separação, dentro de uma determinada realidade significativa, entre um

núcleo que qualificaríamos de central, correspondente à própria realidade, e elementos periféricos, laterais, a

ela ligados por alguma relação ou ponto de contacto, os quais, não contendo essa realidade em si mesma,

expressam algum tipo de contexto circundante da mesma, relacionado mas separado dela. É assim que os

metadados são referidos, na ciência da computação, como “[…] informação estatística não visível respeitante a

um determinado documento, gerada por um programa de software […]” (Jembaa Cole, “When invisible electronic

ink leaves red faces…”, cit.). A utilidade destes elementos refere-se especialmente à gestão de bases ou de

grandes bancos de dados (armazéns de dados, data warehouse), no sentido em que permitem parametrizar

determinados elementos – nomes, números, relações lógicas redutíveis a um predicado verbal – e, através

destes, procurar conexões relevantes (procurar informação útil) dentro de uma base de dados, evitando a

necessidade de realizar uma procura através da “localização física”, documental, dessas conexões (como

paradigmaticamente ocorre numa procura com ficheiros em suporte de papel).

Ora, os dados de tráfego aqui em causa são (contêm) informação em si mesmos, permitem o

estabelecimento de conexões entre pessoas e situações, tomando como ponto de partida a existência pretérita

de uma determinada comunicação, esgotando-se o seu sentido numa extrapolação analítica realizada com base

na existência dessa comunicação e das relações que ela indica, não com base no conteúdo da própria

comunicação. Tal circunstância introduz, desde logo, o elemento central – por vezes objeto de confusão numa

discussão superficial – da caracterização dos dados de tráfego, qualificados como metadados, referidos, como

aqui sucede, às telecomunicações, distinguindo (separando) estes do próprio conteúdo da comunicação (a

mensagem em si mesma). É com este sentido, num debate que envolve frequentemente a ponderação do

significado do acesso das autoridades públicas aos chamados metadados (se entendidos como dados de

tráfego), que se contrapõe, quando – como aqui sucede – está em causa, tão-somente, o acesso a estes, o

sentido de uma “análise do tráfego contra a análise do conteúdo” (“traffic versus content analysis”), reconduzindo

a uma dimensão mais atenuada o potencial de compressão de direitos, mesmo de afetação da autodeterminação

informacional, envolvido por um acesso exclusivo aos metadados (cfr. Amitai Etzioni, Privacy in a Cyber Age.

Policy and Practice, Nova York, 2015, pp. 132/133). Esse acesso não deixa, todavia, de consubstanciar uma

intromissão na privacidade e, por isso mesmo, não dispensa o seu tratamento como tal: como intromissão numa

dimensão específica do direito à privacidade.

Existe, porém, uma diferença relativamente aos dados de conteúdo (ao que faculte um efetivo acesso ao

conteúdo da comunicação), diferença que é facilmente percetível no seu significado, ponderando um exemplo

prático, que reputo de sugestivo, referido pelo Autor antes citado, a propósito da recolha de dados de tráfego

(“[os] registos telefónicos que mostram quem chamou e para que números, o momento em que a chamada foi

feita e a sua duração – e nada mais […]”, ob. cit. p. 133): “[i]sto é equivalente à cópia de um envelope contendo

um endereço, por contraposição a ler efetivamente a correspondência nele contida – uma prática que, de facto,

é levada a cabo regularmente, em massa, pelo U. S. Postal Service. Com efeito, o USPS ‘fotografa o exterior de

cada objeto postal que é processado nos Estados Unidos’ e conserva este registo fotográfico por um período de

tempo indeterminado” (ibidem; a abonação, no texto de Amitai Etzioni, desta afirmação é a seguinte: “Ron Nixon,

‘U.S. Postal Service Logging All Mail for Law Enforcement’, The New York Times, July 3, 2013,

http://www.nytimes.com/2013/07/04/us/monitoring-of-snail-mail.html?pagewanted=all, nota 86, na p. 223).