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26 DE NOVEMBRO DE 2015 15

Este conjunto de fenómenos traduz-se em grosseiras violações dos direitos humanos e configura o crime de

tráfico humano, ou seja, a escravatura em pleno século XXI.

Será útil recordar que Portugal é signatário da Convenção 29 da OIT sobre “Trabalho forçado ou obrigatório”

desde 1956. Este é um tema que tem vindo a concentrar as preocupações da OIT desde os anos 30 do século

passado. Em 2011 foi publicado o primeiro Relatório Global sobre o Trabalho Forçado que levou à criação, em

2012, do Programa de Ação Especial de Combate ao Trabalho Forçado da OIT.

O Índice Global de Escravatura 2014, publicado pela Walk Free Foundation, estima que existam 35.8 milhões

de escravos no mundo e cerca de 1400 em Portugal. Um relatório sobre Portugal publicado pelo Grupo de

Peritos em Ação contra o Tráfico de Seres Humanos (GRETA), organização do Conselho da Europa, alertava

para um crescimento de 46% de casos de tráfico para exploração laboral entre 2008 e 2011, situação agravada

pelo aprofundar da crise económica.

A intervenção de diversas autoridades – ACT, SEF, GNR e Polícia Judiciária – traduziu-se em operações

mediatizadas de prevenção e repressão. Contudo, estas operações revelam-se insuficientes para debelar os

fenómenos de exploração e tráfico humano, dado o grau de proliferação dos mesmos e a grandeza dos

interesses em jogo.

Há muitas dificuldades no combate a estes abusos, pois frequentemente estes cidadãos não são identificados

como vítimas de um crime, mas como pessoas que violam a legislação migratória. No entanto, o principal

obstáculo reside na utilização, nestas campanhas, de uma complexa cadeia de contratação e subcontratação

de mão-de-obra, na qual as responsabilidades laborais e sociais se diluem, nomeadamente em matéria salarial,

cumprimento de obrigações fiscais e perante a segurança social, garantia de condições de trabalho e alojamento

adequadas.

Num mesmo terreno podem estar trabalhadores de muitas empresas, muitas vezes empresas estrangeiras

ou angariadores que, perante uma denúncia, fogem ou desaparecem antes que seja possível acusá-los e puni-

los, deixando por pagar os impostos que faturam (IVA) e os encargos sociais (contribuições para a Segurança

Social) referentes aos trabalhadores que contratam e a quem muitas vezes deixam por pagar senão a totalidade,

parte dos salários. Quanto aos proprietários agrícolas e grandes agroindústrias, a maioria procura esconder-se

atrás dos engajadores e não quer aceitar responsabilidades sobre as condições em que a mão-de-obra é trazida

e trabalha. Se a penalização cai apenas sobre o angariador, apesar de ser o proprietário quem lucra no topo da

cadeia, torna-se muito difícil controlar este fenómeno.

A responsabilização e penalização de toda a cadeia são essenciais no combate ao trabalho forçado e aos

crimes de tráfico de seres humanos e escravatura. O proprietário que recorre ou permite que recorram a este

tipo de trabalho muitas vezes está consciente de que o montante do contrato de prestação de serviços ou pago

ao angariador não é suficiente para pagar os salários dos trabalhadores e, ainda menos, as respetivas

contribuições sociais e fiscais. É inaceitável que alguém finja ignorar ou lave as mãos em relação ao que se

passa nas suas instalações, beneficiando em simultâneo de preços de campanha imbatíveis, só explicáveis pelo

autêntico dumping económico, social e salarial aí praticado.

Além da adoção de políticas sociais integradas, de melhor coordenação entre as diversas entidades e do

reforço da ação inspetiva, das competências e dos meios da ACT, a experiência de quem intervém no terreno

mostra a necessidade de aperfeiçoar a legislação que regula a responsabilidade solidária ou subsidiária entre

os intervenientes nesta atividade económica, a começar pelos proprietários agrícolas que se revelem coniventes

com tais práticas.

O tempo é de urgência e a responsabilidade não podia ser maior. O combate ao trabalho forçado, aos abusos

e à exploração laboral deve mobilizar todos os que se afirmam pela defesa dos Direitos Humanos e pela

dignidade de todos os trabalhadores.

Apesar de não ter sido possível na anterior legislatura levar por diante este propósito, houve ampla discussão

com as entidades envolvidas e foram apresentadas propostas concretas em sede de especialidade. O presente

projeto de lei tem em conta esse debate e integra esses contributos e propostas.

Deste modo, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda vem propor alterações legislativas ao Código de

Trabalho, ao Regime Jurídico das Empresas de Trabalho Temporário e ao Regime Jurídico da Promoção da

Segurança e Saúde no Trabalho, todas no mesmo sentido: responsabilizar solidariamente o proprietário sempre

que existam abusos contra trabalhadores que estejam a prestar-lhe serviço direta ou indiretamente.