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II SÉRIE-A — NÚMERO 72

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Enfatizamos que o quilo da amêijoa japonesa, entre o período natalício e o dia de Reis valia sete euros,

quase o dobro do resto do ano — neste hiato temporal a realidade era esta: “no estuário do Tejo, junto à Ponte

Vasco da Gama, os apanhadores fazem duas marés baixas, calhem de dia ou de noite, estejam ou não em

mínimos razoáveis. Avançam rio adentro, apinham barcos que os largam nos cabeços mais distantes e férteis,

esticam ao máximo o tempo passado no leito lodoso, às três horas de cada vez até a corrente e o frio

ultrapassarem todos os limites de segurança”.

A acumulação de indícios da existência de uma estrutura organizada de âmbito transnacional e a

multiplicação de crimes conexos — furto de embarcações e motores, furtos de botijas de oxigénio hospitalar,

posse ilegal de armas ilegais, exploração laboral, tentativas de homicídio levaram os Serviços de Informação e

Segurança (SIS) a elaborar, em Maio deste ano, um relatório de análise de risco, entregue ao primeiro-ministro,

António Costa, organismos judiciais, órgãos de polícia criminal e entidades implicadas no fenómeno.

O documento supra mencionado alerta para a transversalidade do crime, impacto económico e potencial

relação com tráfico de droga e de seres humanos.

A última operação relacionada com a amêijoa japonesa realizou-se a 13 de Dezembro e juntou Serviço de

Estrangeiros e Fronteiras e Polícia Marítima.

Na sequência de várias denúncias, o SEF abriu um inquérito em Outubro relacionado com um grupo

crescente de tailandeses identificado na apanha da amêijoa — serão cerca de 150 pessoas —, à volta do qual

se adensavam indícios de exploração laboral, maus-tratos e tráfico de seres humanos.

Vivem ao molho num lote industrial abandonado, em armazéns convertidos, onde não existem divisões mas

sim tendas de campismo montadas no chão, individuais e familiares, colchões poisados, paredes feitas de

lençóis às quais se juntam cozinhas improvisadas e sujas.

No único levantamento abrangente sobre a negócio ilegal no estuário, realizado entre Janeiro e Dezembro

de 2015 por seis investigadores do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA) da Universidade

Nova de Lisboa, do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) da Universidade de Lisboa e do IPMA,

apurou-se que existiriam então 35 intermediários e mais de 1700 mariscadores, quase todos homens,

concentrados na cala do Montijo e no Samouco.

O relatório entregue ao Ministério do Ambiente assevera que “a maioria das capturas tem como destino

Espanha, por canais ilegais, sendo os benefícios deslocalizados para aquele país. A elevada importância

socioeconómica direta desta atividade é largamente reconhecida, requerendo a adoção de medidas de gestão

e regulamentação específica para a pesca deste bivalve”.

De acordo com o relatório da consultora Verisk Maplecroft, Portugal figura entre os 20 países europeus onde

aumentou o risco de escravatura moderna em 2017, onde é sublinhada a inoperância das autoridades que

deveriam fiscalizar o cumprimento das leis laborais, a par do aumento do trabalho temporário e dos relatos de

servidão e tráfico humano, que colocam o país na categoria de risco médio de escravatura moderna.

O Relatório acima explicitado conclui que “há relatos de vítimas de trabalhos forçados, incluindo migrantes

da Europa de Leste e de África, explorados na agricultura, na construção e no turismo — todos setores de

trabalho intensivo e de baixos salários”.

Enfatiza-se que no ano passado, as 230 empresas de trabalho temporário registadas em Portugal faturaram

1,18 mil milhões de euros (+7,3% que em 2015).

À guisa de conclusão apontamos um dado importante no que concerne a esta matéria: a Autoridade para as

Condições do Trabalho (ACT) abriu concurso, há vários meses com o escopo de acrescentar 83 inspetores aos

cerca de 300 que possuía em 2015, ano em que esse efetivo realizou mais de 39 mil visitas inspetivas relativas

a mais de 4,5 milhões de pessoas empregadas em mais de um milhão de empresas.

No início da crise, em 2011, realizaram-se mais 56% de inspeções do que em 2015.

Atendendo a todo o supra exposto, consideramos que é preocupante e desadequado, um quadro pautado

pela inexistência de um Plano Nacional de Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos em plena

atividade formal, que sirva de suporte e diretriz a um Estado de direito que deve assumir a prevenção e combate

ao tráfico de seres humanos como prioridade, mitigando a presente realidade de variadíssimos casos em que é

posta em causa a dignidade da pessoa humana.

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