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II SÉRIE-A — NÚMERO 83

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O crime de violência doméstica, mantém-se como o crime contra as pessoas que mais mata em Portugal.

As centenas de vítimas de femícidios, as milhares de mulheres sujeitas à violência no seio de relações de

intimidade e as milhares de crianças órfãs e vítimas da exposição a este tipo de violência por vezes durante

todo o seu crescimento, merecem todos os esforços para alterar esta realidade e para garantir a sua proteção.

O Bloco de Esquerda tem procurado contribuir para o combate a este tipo de violência e de crime desde

que chegou ao Parlamento. O primeiro projeto de lei que apresentou enquanto Grupo Parlamentar, há mais de

vinte anos, foi precisamente a mudança da natureza do crime de violência doméstica para crime público. A

juntar a esta proposta, muitas outras se seguiram. Todas elas partiram da análise concreta da realidade e de

quem sabe que a justiça não é um sistema fechado em si mesmo, mas que deve servir um propósito social

claro e inscrito na Constituição da República Portuguesa.

Retomamos este combate com a presente iniciativa legislativa que procura garantir que todas as vítimas do

crime de violência doméstica são devidamente reconhecidas e objeto de especial proteção pelo Estado. Não

podemos compactuar com um status quo que reconhece a existência de vítimas esquecidas da violência em

contexto familiar, mas não garante, de forma clara, a sua consagração enquanto vítima autónoma e a sua

devida tutela jurídico-penal.

Está amplamente provado, e é corolário consensual na comunidade científica nacional e internacional, que

a violência doméstica imprime um enorme sofrimento às crianças que a vivenciem ou testemunhem mesmo

que os atos de violência não lhe sejam diretamente dirigidos. Viver em contexto de violência acarreta

consequências devastadoras para o seu pleno e harmonioso desenvolvimento, afetando a sua saúde e bem-

estar, potenciando comportamentos de desajustamento familiar e social, problemas de foro emocional e

cognitivo e implicações negativas no seu rendimento escolar e na sua capacidade de integração social.

Acolhemos a argumentação expressa no parecer do Conselho Superior do Ministério Público a propósito

da Proposta de Lei n.º 28/XIV/1.ª quando afirma que o reconhecimento expresso das crianças enquanto

vítimas do crime de violência doméstica quando vivenciam esse contexto no seu seio familiar ou quando se

constituem testemunhas presenciais desses atos de violência «cumpre a Lei Fundamental que determina ao

Estado português a consagração do direito das crianças à proteção da sociedade e do Estado com vista ao

seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de

opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições» (artigo 69.º, n.º 1, da

Constituição da República Portuguesa). Acrescenta que cumpre igualmente a Convenção sobre os Direitos da

Criança quando determina que «os Estados Partes tomam todas as medidas legislativas, administrativas,

sociais e educativas adequadas à proteção das crianças contra todas as formas de violência física ou mental,

dano ou sevícia, abandono ou tratamento negligente, maus tratos ou exploração incluindo a violência sexual,

enquanto se encontrar sob a guarda de seus pais ou de um deles, dos representantes legais ou de qualquer

outra pessoa a cuja guarda haja sido confiada». E por fim, que cumpre a Convenção do Conselho da Europa

para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de

Istambul), quando reconhece que «as crianças são vítimas de violência doméstica, designadamente como

testemunhas de violência na família (artigo 26.º)».

Recuperamos também a ideia expressa no referido parecer, de que importa proceder a alterações no

âmbito do artigo 152.º do Código Penal, que «permitam a integração no novo tipo objetivo do crime de

violência doméstica das condutas que impliquem as crianças que vivenciam o contexto de violência doméstica

ou o testemunhem».

Efetivamente, «nos termos em que o crime de violência doméstica está atualmente construído, o conteúdo

da alínea a) do n.º 2 é claramente, um sinal contrário ao reconhecimento e consagração da criança como

vítima autónoma, diferenciada, titular de direitos pessoais próprios e merecedores de idêntica tutela jurídico-

penal, uma vez que esta surge como ‘mero’ fator agravante do crime base contido no n.º 1».

Esta é, pelo menos, a consequência visível da doutrina maioritariamente seguida pela jurisprudência dos

tribunais portugueses, que na prática não considera estas crianças enquanto vítimas de violência doméstica.

Acredita este Grupo Parlamentar que existe consenso, na sociedade e no Parlamento sobre a necessidade

de garantir a proteção devida a estas crianças, razão pela qual apresenta esta iniciativa propondo a

autonomização do valor jurídico que deve ser atribuído ao bem-estar e ao desenvolvimento saudável das

crianças através da criação de um novo tipo legal do crime de exposição do menor a violência doméstica.

A conduta objetiva passa a consistir «na exposição do menor à prática dos factos constitutivos do crime de