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8 DE OUTUBRO DE 2021

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casos descuradas pela sociedade que nem sempre reconhece os impactos deste crime e o sofrimento que acarreta.

Por isso, é fundamental reforçar a proteção das vítimas de crimes sexuais e dissuadir a sua prática, o que passa essencialmente pela garantia efetiva da aplicação da lei. Se esta não existir, as vítimas sentem que o sistema judiciário não as protege adequadamente, pelo que não denunciam estes crimes, e os agressores sentem-se impunes.

Uma das formas de garantir a aplicação efetiva da lei passa por promover o aumento da denúncia destes crimes, pelo que propomos que os crimes de coação sexual, de violação, de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, de atos sexuais com adolescentes e importunação sexual, previstos no Capítulo V, Secção I e II do Código Penal, sejam crimes de natureza pública.

Recorde-se que a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ) já defendeu esta proposta, em parecer datado de 27 de maio de 20192.

Neste parecer, a APMJ considera que, face à natureza do bem jurídico em causa, ou seja, a liberdade sexual, se impunha, sem qualquer margem para dúvidas, atribuir natureza pública a todas as incriminações constantes da Secção I, do Capítulo V, do Código Penal.

A APMJ, citando Teresa Pizzaro Beleza, relativamente ao crime de violação em concreto, defende que este «simboliza a violência, a imposição brutal, o domínio terrorista do homem sobre a mulher» e, como tal é, no âmbito dos crimes contra a liberdade sexual, aquele que mais gravosamente afeta o bem jurídico que se pretende proteger e tutelar.

Assim, conclui a APMJ que, face às garantias constitucionais de proteção de liberdade e segurança individual, se impõe que o Estado assuma verdadeiramente o jus puniendi quanto a estes crimes e, consequentemente, não remeta para a esfera da liberdade individual a decisão da sua prossecução penal.

De facto, a especial vulnerabilidade das vítimas e o impacto que este tipo de crimes tem pode muitas vezes fazer com que estas não denunciem a sua prática, até porque, dispondo apenas de seis meses para apresentar queixa, podem não se sentir capazes de o fazer naquele período. Este prazo desconsidera o processamento do trauma resultante de ofensas à autodeterminação sexual, barrando o acesso à justiça de inúmeras vítimas. Dada a complexidade da violência sexual e a sua naturalização na sociedade, são inúmeras as pessoas que apenas se apercebem que foram vítimas de um crime passado meses ou até vários anos. Depois, existem situações em que, nomeadamente através das redes sociais, outras pessoas tomam conhecimento da prática deste crime, devendo estas ter, igualmente, a possibilidade de o denunciar, o que retira da vítima o peso de ter de ser ela a fazê-lo.

Em consequência, atribuir a natureza de crime público aos crimes infrarreferidos constitui uma forma adequada de combater o aumento exponencial deste tipo de criminalidade, o qual é bem visível nos relatórios anuais de segurança interna.

No parecer dado pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima3, é apontada a escassez de políticas públicas que concretizem o apoio necessário a vítimas de crimes contra a autodeterminação sexual. De acordo com a APAV, «tenha natureza pública ou semipública, o crime de violação deverá sempre incluir uma «válvula de escape» sensível ao interesse concreto da vítima», algo acautelado pelo presente projeto de lei, que prevê a possibilidade da suspensão provisória do processo.

Outra preocupação levantada pelo parecer da APAV é que, enquanto na área da violência doméstica encontramos um «enquadramento cada vez mais robusto e abrangente ao nível da informação, proteção e apoio, as vítimas de violação estão ainda longe de um tratamento sequer aproximado». Contudo, parece-nos que deveria ser uma prioridade do legislador densificar o enquadramento do crime de violação, lado a lado com a atribuição da natureza pública aos crimes infra referidos.

Importa mencionar ainda que a atribuição de natureza pública aos crimes de coação sexual, de violação e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, de atos sexuais com adolescentes e de importunação sexual pretende dar cumprimento ao disposto no artigo 27.º da Convenção de Istambul, ratificada pelo Estado português, em vigor desde 1 de agosto de 2014, que refere que «As Partes deverão adotar as medidas que se revelem necessárias para encorajar qualquer pessoa que testemunhe a prática de atos de violência abrangidos pelo âmbito de aplicação da presente Convenção, ou que tenha motivos razoáveis para crer que tal ato possa ser praticado ou que seja de prever a prática de novos atos de violência, a comunicá-los às organizações ou

2 https://apmj.pt/images/noticias/Parecer_APMJ.pdf 3 https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/posicao_APAV_natureza_crime_violacao_mar_2021.pdf