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II SÉRIE-A — NÚMERO 14

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autoridades competentes». O artigo 55.º do mesmo diploma prevê que o procedimento penal instaurado em relação à violência sexual, incluindo a violação «não dependa totalmente da denúncia ou queixa apresentada pela vítima (…) e que o procedimento possa prosseguir ainda que a vítima retire a sua declaração ou queixa».

A atribuição da natureza de crime público aos crimes de coação sexual, de violação e de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência e de importunação sexual garante a proteção efetiva das vítimas e simultaneamente vem reconhecer o carácter sistémico dos crimes sexuais contra as mulheres. O entendimento da violação enquanto fenómeno coletivo, em oposição a uma experiência de carácter individual de cada mulher, é essencial para a eliminação do estigma, da vergonha e da culpa frequentemente sentida pelas vítimas. A alteração da natureza destes crimes consagra a responsabilidade do Estado na proteção de meninas e mulheres e no combate à impunidade dos agressores.

Ademais, a atribuição da natureza de crime público ao crime de importunação sexual surge como um imperativo para a proteção de mulheres e meninas no espaço público. O assédio sexual comporta ainda uma limitação à livre circulação de meninas e mulheres, representando um mecanismo de afastamentos destas pessoas da vida pública e o direito de usufruir da mesma em segurança. A alteração da natureza deste crime traduz o compromisso do Estado no combate aos entraves sentidos diariamente pelas mulheres fruto do medo da ameaça de violência sexual. De acordo o último relatório anual de segurança interna referente ao ano de 2020 não houve lugar a nenhuma detenção pelo crime de importunação sexual, números que contrastam fortemente com a realidade da experiência feminina.

Também o crime de atos sexuais com menores merece a nossa atenção, não se justificando que o procedimento criminal pelo crime previsto no artigo 173.º dependa de queixa tendo em conta novamente a eventual relação de intimidade com o agressor. Será de considerar o aliciamento de menores para fins sexuais, sendo que estes não têm noção da manipulação de que são alvo e apenas ganham consciência do abuso sofrido anos depois do acontecimento.

Por último, recordamos que relativamente ao crime de violência doméstica também, no passado, existiram resistências em enquadrar este crime como público, pois considerava-se que deveria ser a vítima a ter impulso processual, aumentando o peso e responsabilidade da vítima. No entanto, a experiência veio demonstrar os benefícios da qualificação deste crime como público, sendo agora consensual que esta foi a melhor opção a tomar. Urge considerar que a violência física entre cônjuges é frequentemente acompanhada de violência sexual, estando as ofensas sexuais incluídas na previsão do crime de violência doméstica. Resta questionar por que razão consideramos que a violência sexual no contexto de violência doméstica merece a atribuição da natureza de crime público, mas o mesmo não pode ser dito para a violação em contexto diferenciado.

Na origem da opção pela natureza pública do crime de violência doméstica esteve a tentativa de proteger o interesse individual da vítima na existência ou não de uma resposta punitiva contra formas de coerção. O mesmo pode ser dito a respeito da violência sexual, tendo em consideração que, segundo o último relatório anual de segurança interna, no que diz respeito ao crime de violação, apenas 23% dos agressores eram desconhecidos das vítimas, sendo que em 67,4% dos casos o agressor era conhecido ou familiar da vítima.

A par da alteração da natureza dos crimes, propõe-se ainda o alargamento do regime especial previsto no número 7 do artigo 281.º do Código de Processo Penal aos crimes de coação sexual, violação e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, que permite que a suspensão provisória do processo tenha lugar a pedido da vítima.

Face ao exposto, com o presente projeto de lei, propomos uma alteração ao artigo 178.º do Código Penal, atribuindo natureza pública aos crimes de coação sexual, de violação, de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, de atos sexuais com adolescentes e de importunação sexual previstos na Secção I e II do Capítulo V.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada não inscrita Cristina Rodrigues apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º Objeto

1 – A presente lei procede à alteração do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, que aprova o Código Penal,

com o objetivo de atribuir a natureza de crime público aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, constantes do Capítulo V do Código Penal.